segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

O serviçal do imperialismo e a implacável marcha da história

 

                                                                                                    *José Álvaro de Lima Cardoso

     Pressionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que abriu procedimento para apurar um caso grave de conflito de interesses, o suspeitíssimo ex-juiz Sergio Moro declarou que, em um ano, recebeu R$ 3,5 milhões da Alvarez & Marsal, empresa que ganhou dinheiro com a quebra de empresas brasileiras, através de decisões da Lava Jato, ou seja, do próprio Sérgio Moro. Segundo informações da imprensa, ele recebeu US$ 656 mil nos doze meses de contrato com a consultoria, no período de 23 de novembro de 2020 e 26 de novembro de 2021. Pelo câmbio do dia 28.01, esse valor representa R$ 3,537 milhões, nada menos que R$ 294.750 por mês. A consultoria estadunidense Alvarez & Marsal atua nos processos de recuperação judicial de empresas envolvidas na Operação Lava Jato.

     O “honestíssimo” Sérgio Moro, que colocou o ex-presidente Lula na cadeia por quase dois anos, sem sequer uma prova de crime, além do salário de R$ 241,9 mil, recebeu um bônus de US$ 150 mil pela contratação (R$ 806 mil). Os ganhos em um ano, portanto, estão acima de R$ 3,5 milhões. Esses valores milionários são aquilo que Moro está declarando. Quem acompanha a operação Lata Jato desde o início, conforme inclusive revelaram as denúncias da Vaza Jato, sabe que Sérgio Moro é um mentiroso completo e contumaz. 

     Levantamento do TCU, com base no levantamento de documentos sigilosos, revelam que a Alvarez & Marsal faturou R$ 65 milhões de empresas investigadas na Lava Jato. Esses valores representam 77,6% dos ganhos da empresa no Brasil. Moro, na posição de juiz condenou executivos de empresas que são clientes da Alvarez & Marsal no processo de recuperação judicial. Fora do cargo de juiz, foi contratado pela empresa que presta serviços às empresas cujos executivos foram condenados por Moro. Tinha informações privilegiadas, fundamentais para a atuação da Alvarez & Marsal no processo de recuperação judicial. Se esses fatos não forem considerados suspeitos e caracterizarem evidente conflito de interesses, o que mais poderiam ser? O fato de Moro ter se empregado por salário milionário, em uma empresa com interesses diretos nas informações do ex-juiz Moro, em pleno andamento dos processos de julgamento da Lava Jato, revela inclusive a elevada confiança de que nada lhe poderia acontecer, em função de suas “costas quentes”.

     Que tipo de competência profissional, Moro, que não sabe nem se expressar direito em português, poderia aportar à uma empresa de renome internacional? A Alvarez & Marsal, na realidade comprou as informações privilegiadas que Moro possuía na condição de juiz, já que ele tinha acesso a todos os documentos, na medida em que aprovava os acordos de leniência, colaborações premiadas, e outros ritos legais.

     Desde que apareceu na cena nacional, como um “paladino da moralidade” a trajetória de Moro é caracterizada por crimes recorrentes. Sem dúvida o maior deles foi ter sido o protagonista, a serviço dos EUA, de uma engrenagem fundamental para um dos maiores crimes contra o Brasil, que foi o golpe de 2016. Com o golpe, a desgraça desabou sobre o Brasil, com 7 anos seguidos de estagnação ou recessão e explosão da pobreza e da fome. A Operação foi fundamental tanto para o impeachment em 2016, quanto para a fraude eleitoral de 2018. Foi a ponta da lança que feriu de morte a democracia brasileira nos dois momentos. A Lava Jato se apresentava como a maior operação anticorrupção do mundo, mas se transformou no maior escândalo judicial da história brasileira.

      É difícil entender porque a Lava Jato, cujos protagonistas faziam o que bem entendiam e prendiam quem quisessem, caiu em desgraça. Para compreender o fenômeno, temos que considerar que: a) o complô que perpetrou o golpe no Brasil é bastante amplo e tem suas contradições internas (supremo, militares, império norte-americano, políticos e empresários corruptos, extrema direita, etc.); b) a Operação era para pegar somente a esquerda, mas começou a trazer provas contra os próprios golpistas e seus amigos; c) não existe crime perfeito, ainda mais neste nível de abrangência, envolvendo um país-continente; d) no Brasil houve reação contra o golpe, ao contrário de outros países na América Latina. Aqui tivemos um dos maiores fenômenos políticos da história mundial que foi o acampamento Lula Livre, montado em Curitiba, que permaneceu enquanto durou a prisão, quase dois anos, sob chuva, sol, atentados e toda sorte de dificuldades.  

     Quando surgiram as denúncias da Vaza Jato, em 2019, num determinado momento, enquanto o país aguardava mais um capítulo da série “The Intercept Brasil – As Mensagens Secretas da Lava Jato”, Sérgio Moro viajou para os Estados Unidos, como Ministro da Justiça e Segurança Pública, para “fazer visitas técnicas a instituições”. Pego vergonhosamente com a boca na botija, foi tomar orientações dos seus chefes nos EUA. Os diálogos vazados tanto na Vaza Jato, quanto no material divulgado pelo hacker Walter Delgatti Neto, em 2019, mostram confissões de verdadeiros crimes contra o país, contra as leis, contra a soberania nacional, contra a honra das pessoas. Ficou muito evidente que a operação não era contra o crime, mas era ela mesmo uma operação muito criminosa.

     O combate a corrupção era apenas uma cobertura, uma fachada. Deram o golpe para tirar a esquerda do poder por motivos políticos e econômicos, a serviço de uma potência estrangeira. A esquerda no poder (mesmo moderada e negociadora) estava atrapalhando as necessidades do capital internacional de tirar proveito, por exemplo, das descobertas do pré-sal, anunciadas pela Petrobrás em 2006. Exemplo disso foi a lei de Partilha, que retinha uma parte maior da renda petroleira no país, e que sofreu grande oposição por parte das multinacionais. Isso tudo colocou a “necessidade” do golpe no Brasil, para interromper um governo de esquerda e suas reformas inconvenientes.

    Os prejuízos que a Lava Jato causou no campo da democracia e do Estado de Direito são incalculáveis. Sérgio Moro, um dos maiores responsáveis por esse processo, aproveitou a operação para enriquecer, às custas da explosão da fome e da pobreza no país, decorrências do golpe. Mas não foi só a democracia que foi destruída. Conforme estudo do DIEESE, por conta da farsa montada com a Lava Jato, R$ 172,2 bilhões deixarram de ser investidos no País, soma equivalente a 40 vezes os R$ 4,3 bilhões que a Lava Jato informa recuperado para os cofres públicos. 

     A Lava Jato, que visava atingir a maior empresa do Brasil e da América Latina, levou a uma crise inusitada no setor de petróleo e gás, e a uma queda drástica da taxa de investimentos no país. Os estadunidenses quando perceberam que podiam quebrar, além da Petrobrás, o entorno da empresa, a rede de empresas fornecedoras, não tiveram dúvidas. Petróleo e gás, e construção civil brasileira concorriam diretamente com as empresas norte-americanas. Mais tarde fizeram a operação “carne fraca” para desmontar a indústria da alimentação do Brasil.

     Não podemos perder de vista que Sérgio Moro é apenas um peão, um testa-de-ferro, um aventureiro em busca de poder e enriquecimento. Quem comanda esse processo é o maior poder da Terra, o imperialismo mundial (liderado pelos EUA). É importante entender que a estratégia dos EUA para a América Latina é impedir o surgimento de potências regionais, especialmente em áreas com abundância de recursos naturais, como é o caso do Brasil. O modelo dos norte-americanos, proposto para a região é o de países com Forças Armadas limitadas, incapazes de defender suas riquezas naturais, como é o Brasil de hoje.   

     A partir do anúncio do pré-sal pelo Brasil, em 2006, os EUA reativaram a 4ª Frota Naval, dedicada a policiar o Atlântico Sul e rejeitaram a resolução da ONU que garantia o direito brasileiro às 200 milhas continentais. A proposta dos americanos, e dos entreguistas, sempre foi tirar a Petrobrás do caminho e possibilitar às multinacionais do petróleo a apropriação dos bilionários recursos existentes no pré-sal que, no limite, podem chegar a quantidades próximas à Venezuela e Arábia Saudita. A primeira prisão que a Lava Jato efetuou foi a do contra-almirante Othon Silva, considerado o pai da energia nuclear no Brasil. Acusaram ele de corrupção e o botaram na cadeia ainda em 2015. O juiz que o colocou na cadeia é da Lava Jato do Rio de Janeiro, uma espécie de sub Moro, um fascista que posava pra revistas da moda, portando um fuzil. 

     Quando a Petrobrás anunciou o pré-sal, os críticos, bafejados pelas multinacionais do petróleo, diziam que o petróleo naquelas profundidades não teria viabilidade comercial. Chegaria tão caro na superfície, em função do custo de extração, que não teria viabilidade comercial. Hoje os custos de extração do barril do petróleo, do pré-sal, está a US$ 5, praticamente o custo da Arábia Saudita que retira petróleo, bem dizer, à flor da terra. Os Estados Unidos para continuar na condição de potência, dependem crescentemente dos recursos naturais da América Latina e, por esta razão, não quer perder o controle político e econômico da Região. Daí a sucessão de golpes em toda a América Latina nos últimos 12 anos.

     Uma das lições do golpe no Brasil, que infelizmente nem todos aprenderam, é que se a gente quiser viver em um país soberano tem que construir as condições geopolíticas e militares para isso. Especialmente neste momento em que a crise empurra os EUA para uma política abertamente agressiva contra seus inimigos, como podemos assistir nos atuais conflitos na Ucrânia e Taiwan. É importante considerar também que Moro é apenas um peão nesse complexo tabuleiro. Um peão muito bem pago, é verdade (conseguiu, pelo menos, alguns milhões), mas um simples capacho numa cadeia muito complexa, que chega até à cabeça do imperialismo. A lição do golpe foi muito dura, mas muito rica de ensinamentos. Deveríamos aprender com eles, ou então, como diz a canção, “a vida não vale nada”.        

                                                                                          *Economista 31. 01.2022.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Crise na Ucrânia: acendeu forte luz amarela

 

*José Álvaro de Lima Cardoso

     

     O mundo tem visto, perplexo e temeroso, os acontecimentos na Ucrânia e as imagens de tropas do exército russo se dirigindo para a imensa fronteira entre os dois países. Ainda que num processo desse tipo a primeira a ser sacrificada seja a verdade dos fatos, o risco de uma guerra parece ser premente. Não se trata de um conflito localizado e de caráter regional. O país tem posição geográfica privilegiada, no Sudeste da Europa, e é o segundo maior país do continente, depois da Rússia. Além disso o país tem 1.576 km de fronteira com a Rússia, o que também o torna objeto de atenção geopolítica dos países imperialistas, no contexto mundial da disputa entre potências. A ucrânia possui também população expressiva, de 44 milhões, quase equivalente à da Espanha.

     O problema imediato principal no conflito são as tratativas do país para ingressar na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), o que interessa diretamente os países imperialistas, especialmente aos EUA, cujo governo, sob Biden, resolveu correr atrás do espaço perdido internacionalmente, nas últimas décadas. A Ucrânia na OTAN, com possibilidade concreta de armazenar armamentos pesados, sem dúvida ameaça a segurança estratégica da Rússia. É quase como que Cuba alojar bombas nucleares russas em seu território, a 150 KM de Miami.

     Enquanto um movimento desse intrincado tabuleiro de xadrez, no dia 18 de janeiro a Rússia exigiu que a OTAN garanta que Ucrânia e a Geórgia, que também faz fronteira com a Rússia, não ingressem na Organização militar. Esse detalhe é fundamental, porque o artigo quinto do Tratado da OTAN, prevê que se um país-membro for atacado militarmente, é como se o conjunto dos membros tivessem sido atacados. A Rússia exigiu também que os EUA parem de realizar manobras militares na Europa do Leste, nas barbas de Moscou. Imaginem a reação dos EUA, se Rússia ou China começassem a fazer treinamento militar no território da Venezuela ou da Nicaragua. Um míssil disparado a partir de Kiev levaria apenas alguns minutos para alcançar Moscou.

     O governo russo nega que esteja pretendendo invadir a Ucrânia e afirma que o deslocamento de tropas para a fronteira tem caráter preventivo. Mas se nenhum dos dois lados recuar, a chance de um conflito grave é muito grande. No caso da Rússia a possibilidade de recuo é ainda mais remota porque, concretamente, a entrada da Ucrânia na OTAn representa um risco real e direto à segurança do país, que o governo russo tanto preserva. 

     O governo dos EUA, ao mesmo tempo em que fornece assistência militar ao governo de Kiev, faz um jogo de cena de que estaria tentando ao máximo evitar o conflito. Os EUA querem impor uma visão de democracia formal, alegando o direito de a Ucrânia fazer parte, como pais soberano, de qualquer organização que deseje. Mas este é um protocolo que não leva em conta a geopolítica e o mundo real dos riscos da guerra, numa região que é um verdadeiro barril de polvora.

     Recentemente, em uma visita a Kiev, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, previu que a Rússia pode lançar um novo ataque sobre a Ucrânia em um “prazo muito curto”. Prometeu também, caso haja a invasão impor severas sanções econômicas contra a Rússia. A reunião entre Blnken e o ministro russo de Relações Exteriores, Sergei Lavrov, no dia 21/01, apesar das promesas recíprocas, foi muito mais um jogo de cena do que uma ação efetiva para desarmar a bomba relógio do conflito.

    As possibilidades táticas da Rússia são várias: é possível uma incursão armada no país, a superioridade militar da Rússia sobre a Ucrânia é imensa. Pode também fazer ataques cibernéticos, campanhas de contra informações, etc., ou, o que é mais provável, combinar todas essas formas de guerra híbrida. O governo Joe Biden vem pedindo uma posição firme da União Européia (EU) sobre sanções econômicas à Moscou. Mas o Bloco não tem unidade sobre o assunto, inclusive tem medo de prejuízos às suas próprias economias. Há também um aspecto fundamental para a União Europeia que é o fornecimento de gás da Rússia. No que refere ao gás o governo estadunidense promete ajudar a Europa, mas qual o custo financeiro de uma ajuda desse tipo, em meio a uma grave crise econômica?   

     O governo norte-americano tem afirmado que o Kremlin está considerando a possibilidade de uma operação de "false flag" (bandeira falsa), ou seja, estariam pretendendo realizar um ataque ao próprio país, através de agentes russos. Vamos combinar que os norte-americanos têm grande conhecimento de causa sobre o assunto, pois já utilzaram a “bandeira falsa” inúmeras vezes. Por exemplo, em 1964 o Congresso dos EUA autorizou o presidente da república a ampliar a participação dos Estados Unidos na guerra do Vietnã, supostamente em decorrência de um ataque vietnamita a um navio de guerra dos EUA em águas do golfo de Tonkin. Na ocasião, apesar dos Estados Unidos apoiar politica, financeira e militarmente o Vietnã do Sul, ainda não estava em aberta hostilidade contra o Vietnã do Norte. A Resolução do Golfo de Tonquim deu autorização legal ao presidente Lyndon Johnson para entrar com toda a força na guerra. Não adiantou, claro, o governo do Vietnan do Norte dar várias declarações oficiais de que houve apenas uma reação mínima, protocolar, ao fato de que navios de de guerra dos EUA entraram em suas águas territoriais para espionar e planejar futuros ataques.

     Temos que procurar entender a política do governo de Joe Biden (econômica, política e militar), olhando a situação mundial de conjunto. Além de uma crise econômica extraordinária, o polo político que Biden representa está também em grande agonia.Se as eleições presidenciais fossem hoje, é possível que Donaldo Trump ganhasse. A crise é muito significativa, o mundo parece estar caminhando para uma situação de verdadeiro colapso político e econômico, como poucas vezes se viu na história.

     Apesar de muitos acharem que Joe Biden era um “democrata” ou “progressista”, seja lá o que significam estes conceitos, na realidade ele é um homem muito mais ligado à máquina de guerra norte-americana, do que era Donaldo Trump, por exemplo. Vamos lembrar que, quando o Brasil sofreu o golpe de Estado em 2016, inclusive com antecedentes de espionagem norte-americana nos telefones da presidente da República do Brasil, Biden era o vice de Obama. E certamente sabia das articulações do golpe, não só no Brasil, mas em toda a América Latina.

     Há uma avaliação por parte do governo Biden, explicitada desde o primeiro dia de gestão, de que a China está ocupando um espaço econômico exagerado, desproporcional ao seu poderio geopolítico e militar no mundo. Poderio econômico e poder bélico são fatores intimamente interligados. Portanto, a relação com a China, mas também com a Rússia, já ficou muito mais tensa, em função da postura dos EUA em relação a comércio, direitos humanos e as origens da Covid-19. No ano passado os Estados Unidos colocaram na lista maldita dezenas de empresas chinesas, utilizando meros pretextos.

      Com Biden, os norte-americanos deverão promover uma série de conflitos militares no mundo, “por procuração” com outros grupos, tropas irregulares, mercenários, como fizeram na Síria e inúmeros outros países. Tem aumentado muito a hostilidade dos EUA contra a Nicaragua, Cuba e Venezuela. O objetivo é estimular a oposição interna para, apoiado pela OTAN (organismo dominado pelos EUA), partir para agressões militares. Joe Biden foi o candidato da máquina de guerra norte-americana: Pentágono, falcões, Cia e demais serviços de espionagem, forças armadas, grande capital imperialista, etc. Ou seja, a essência da política imperialista apoiou Biden. Trump presidente, comparado com Biden, era um “estranho no ninho”, acusado, inclusive, de aproximação com a Rússia.  

      O padrão de vida conquistados pelos norte-americanos está relacionado à sua ação imperialista no mundo todo. Então, ao mesmo tempo em que eles tem que se preocupar com a disputa geopolítica com a Rússia, estão de olho no tabuleiro político latinoamericano. Não é nada específico contra a Rússia ou China. É que atuam como um Império que são, e aqueles são seus principais rivais. Se quisermos entender a natureza da “democracia” nos países imperialistas, precisamos saber que o orçamento militar dos EUA para este ano, de US$ 768 bilhlões, é superior aos orçamentos militares somados dos 10 países seguintes com os maiores orçamentos.

     Diferentemente da Rússia e China, que são potência regionais, os Estados Unidos, além de suas frotas de porta aviões, navios e submarinos nucleares que cruzam os mares de todo o mundo, possuem mais de 700 bases militares terrestres fora de seu território nacional nos mais diversos países (inclusive no Brasil). Eles conseguiram essas bases através de tratados e do peso econômico da economia norte-americana, do imperialismo norte-americano. Russos e os chineses não têm esse poderio. Uma das razões dos EUA terem encaminhado o golpe no Brasil foi a aproximação com a Rússia e a China através dos BRICS. Em 2015, antes do impeachment, o Brasil tinha assinado com a China 35 grandes projetos de infra-estrutura no país, incluindo a Ferrovia Transocenianica, ligando o Atlântico ao Pacífico, ligando o Brasil (RJ) à Lima, no Peru.

     Um sintoma de que a política do “grande porrete” dos EUA funciona nas relações internacionais, foi o quase sepulcral silencio da China e da Rússia, em relação ao golpe no Brasil, assim como nos demais países da América do Sul. A China perdeu uma porção de negócios na América Latina toda, por causa dos golpes, mas não se manifestou mais fortemente, com receio da reação dos EUA. 

     Os norte-americanos querem obrigar Rússia e a China a recuarem das posições geopolíticas que eles adquiriram no último período. Eles vão procurar fazer com que os russos e os chineses gradativamente cedam terreno, tanto do ponto de vista militar como do ponto de vista econômico.Como potência regional e considerando a importância geoestratégica da Ucrânia para a Rússia, é muito difícil os russos recuarem. As guerras realizadas pelos Estados Unidos no mundo, deixam um saldo terrível de mortes e miséria, inclusive na época de Obama, que, hipocritamente, recebeu o Nobel da Paz.  O risco de uma guerra não pode ser subestimado. Este risco deve ser colocado como o mais elevado porque as suas consequências são terríveis. O momento em que vive a economia e a políticas mundiais, coloca com muita força essa possibilidade. A tensão mundial entre de um lado o bloco imperialista e, de outro, China e Rússia, e a crise na Ucrânia, não significa que haverá guerra com certeza. Mas a luz amarela está acesa para quem tem olhos e ouvidos abertos.

 

                                                                                                       *Economista, 24.01.2022.

 

 

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

O lucro do petróleo tem que ser 100% dos brasileiros

 

                                                                            *José Álvaro de Lima Cardoso                                                                                                               

     Desde o início das articulações golpistas, recém-inaugurada a operação Lava Jato, ficou evidente que a principal motivação econômica do conluio eram as imensas jazidas do pré-sal, anunciadas pela direção da Petrobrás em 2006. Sacramentado o golpe, com o impeachment de Dilma Rousseff, uma das primeiras ações dos golpistas foi impedir a destinação para Educação e Saúde da chamada renda petroleira, conforme objetivava a Lei de Partilha, sancionada em dezembro de 2010. Mal assumiu, o golpista Michel Temer tratou de aprovar a política de Preço de Paridade de Importação (PPI), que há cinco anos aumenta o preço dos derivados do petróleo muito acima da inflação, em qualquer comparação que se faça. A PPI é uma espécie de assalto a esmagadora maioria dos brasileiros, em benefício de meia dúzia de investidores, principalmente estrangeiros, operada em nome de supostas “razões técnicas”.

     O Brasil é uma potência petrolífera, capaz de prospectar, perfurar, extrair, refinar e distribuir o petróleo, como a descoberta da maior jazida do terceiro milênio, anunciada em 2006, demonstrou. Mas isso não faz a menor diferença para o bem-estar do povo brasileiro. Como o preço interno dos combustíveis está atrelado à variação internacional do petróleo, e à variação do dólar, os brasileiros pagam pelos derivados do petróleo como se recebessem seus salários em dólares. Com essa política de aumento de preços dos derivados, é como se o Brasil não produzisse petróleo, e tivesse que importar 100% dos derivados que consome. Mesmo sendo autossuficiente na produção e utilizando majoritariamente petróleo nacional nas refinarias.

      O país dispõe de uma das maiores reservas de petróleo no mundo, e é um grande produtor, com elevada produtividade no setor. Ao mesmo tempo a direção entreguista da Petrobrás está vendendo as refinarias, para tornar o país apenas um exportador de petróleo cru e depender cada vez mais de importações de derivados, principalmente dos EUA, país que coordenou o golpe. Quando a cotação do barril de petróleo aumenta internacionalmente (como neste momento), quem lucra não é o brasileiro pobre, que está passando fome, e sim os especuladores da Bovespa e da Bolsa de Valores de Nova York.

     Desde 2016, por uma modificação estatutária, são estratosféricos os salários da direção e do corpo gerencial da Companhia. O atual presidente da Petrobrás, General de Exército Luna e Silva, por exemplo, recebe mensalmente R$ 260.400,00, mais todas as mordomias decorrentes do cargo.  Salários dessa magnitude devem “contribuir” para os dirigentes da empresa aceitarem a distribuição de R$ 63,4 bilhões de dividendos aos acionistas (os capitais estrangeiros detêm a maioria relativa 42,79% do conjunto das ações, enquanto o governo brasileiro possui 36,75%), assim como a venda (quase doação) de ativos que rendem lucros líquidos enormes.   

     O sonho dos golpistas de 2016, de todos os matizes, é privatizar completamente a Petrobrás. Se eles conseguirem não será apenas o maior roubo da história do país, mas um acontecimento de grande simbolismo político, já que a saga por uma empresa pública de petróleo, foi a grande luta nacional da história do povo brasileiro. Em boa parte, não há dúvidas, a Petrobrás já foi privatizada no governo de Fernando Henrique Cardoso. A União detém 50,50% das ações ordinárias, o que garante o controle formal da empresa, porém é dona de apenas 34,70% das ações preferenciais, que têm a preferência na distribuição dos dividendos.

   A Petrobrás é a zeladora constitucional de uma das maiores riquezas do povo brasileiro, que são as reservas de petróleo e gás do pré-sal. Essas reservas são estimadas em até 43,8 bilhões de barris de óleo recuperável. O montante equivale ao triplo das atuais reservas provadas, o que representa petróleo que não acaba mais. No ano passado, até o terceiro trimestre, a Petrobrás realizou impressionantes R$ 75,1 bilhões de lucro líquido. Mas em vez deste dinheiro ser destinado às necessidades do povo brasileiro, como previa, de certa forma, a Lei de Partilha (que foi desmontada nas primeiras ações dos golpistas em 2016), a empresa dobrou o valor dos dividendos distribuídos aos seus acionistas no ano passado. Somente este dado já é suficiente para revelar as razões do golpe de Estado no Brasil, pois mostra o que já sabíamos: a empresa é uma verdadeira mina de ouro e sempre deu lucro. Por isso está sendo saqueada.

     Enquanto uma parte dos brasileiros morre de fome, a direção da Petrobrás utiliza o lucro da empresa para encher os bolsos dos investidores estrangeiros. O lucro da Petrobras poderia servir para a melhoria de vida do povo, poderia ser investido em saúde e em educação, como previa a Lei de partilha. Estes bilhões de lucros, que, são recorrentes ao longo dos anos, poderiam ser investidos em um programa para eliminar o déficit habitacional do Brasil, o que, combinado com um programa geral, abriria um novo ciclo de desenvolvimento e geração de empregos.

      A Petrobrás é uma das empresas mais eficientes do mundo e, como até as pedras sabem, dispõe de tecnologia para cumprir todas as etapas de disponibilização do petróleo para o consumo interno e ainda exportar derivados. O ataque à Petrobrás trazido pelo golpe foi justamente em decorrência da sua eficiência, e da ganância dos países ricos (coordenados pelos EUA), em busca de novas jazidas de petróleo. E o pré-sal é a maior jazida descoberta neste milênio, até o momento. Conforme estamos denunciando desde 2014, o que ocorre na Petrobrás a partir do golpe, é um roubo, puro e simples. É uma forma de pirataria, mal disfarçada, em pleno século XXI.

          O Brasil está no sétimo ano seguido de estagnação ou recessão e a pobreza explodiu no Brasil, a partir de 2016. Esses são resultados diretos do golpe. A Lava Jato foi uma engrenagem fundamental tanto para o impeachment em 2016, quanto para a fraude eleitoral de 2018, dois momentos chaves do golpe. A Lava Jato era propagandeada como a maior operação anticorrupção do mundo, mas ela mesma se revelou um crime de grandes proporções contra o país. Os envolvidos na Lava Jato praticamente destruíram um país para retirar uma força política do poder, a serviço da maior e mais beligerante potência estrangeira do mundo.

                                                                                                        *Economista 17/01/2021.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

 Negociação dos pisos em Santa Catarina: hora de virar o jogo nas negociações coletivas

                                                                                       *José Álvaro de Lima Cardoso

     De maneira até inesperada a negociação entre representantes das centrais sindicais, assessoradas pelo DIEESE, e empresários catarinenses, realizada nesta terça (12/01), acabou conduzindo a um acordo para o reajuste das 4 faixas do Piso Salarial Estadual. A negociação se definiu já na segunda rodada, o que é raro na história dos doze anos das campanhas pelo reajuste dos pisos estaduais. O reajuste ficou em 10,5%, na média, um pequeno ganho em relação à inflação do ano passado (10,16%).

     Ainda que o modesto ganho real não tenha sido o almejado pelos trabalhadores, os recursos certamente serão destinados à aquisição de bens de primeira necessidade (comida, roupa, pequenos serviços), o que beneficia os trabalhadores, e por extensão, toda a sociedade. Incluindo os setores do empresariado que vivem do seu negócio e não da especulação. Esse benefício irá ocorrer, até pelo alcance que a Lei dos Pisos Estaduais tem em Santa Catarina, onde muitos milhares de trabalhadores atualmente referenciam seus rendimentos pelos pisos.

     Segundo a Pesquisa Industrial Anual do IBGE (PIA, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o peso dos gastos de pessoal no custo total industrial está em 9,4%, incluindo salários e encargos sociais. Este é o custo do trabalho na indústria. Claro, este custo é maior nos Serviços e Comércio, variando também a partir do porte das empresas e outros fatores. Mas os problemas das empresas em geral, estão localizados nos demais custos, como matéria-prima, câmbio, taxa de juros, política industrial, fretes, etc. O custo do trabalho é solução, não só porque produz valor novo, mas também porque são os trabalhadores, fundamentalmente, que irão consumir os produtos fabricados. Os ricos são minoria, não dão conta do consumo interno de um país. As crises no sistema capitalista, há 300 anos, ocorrem quando sobram produtos nas prateleiras e não quando faltam (havendo exceções, claro, porque o sistema se move por crises permanentes). 

      Atualmente no país os dois principais problemas macroeconômicos são inflação e baixo crescimento. O problema inflacionário não tem nada a ver com aumento de salários. A inflação atual é causada por custos (desvalorização do câmbio, frete, em função da política criminosa de preços de combustíveis, etc.), nada tem nada a ver com salários. Tanto é verdade que a fome voltou a aumentar no país, porque elevou-se o desemprego e os salários caíram em termos reais, frutos do golpe de 2016.

     Um dos principais gatilhos de aumento dos preços em geral, possivelmente o mais importante, é o aumento extorsivo dos preços dos derivados de petróleo. Ou seja, a política de preços da Petrobrás, a PPI (Política de Preços de Paridade de Importação), que se baseia na dolarização e no atrelamento do preço dos combustíveis à variação internacional do preço do petróleo. Essa política é diretamente responsável pelo aumento dos preços dos alimentos e, portanto, pelo acelerado retorno da fome crônica no país. É uma política operada para encher os bolsos dos especuladores estrangeiros, às custas da nação.

     Além da inflação, o outro problema econômico central é o baixo crescimento: os golpistas de 2016 diziam que era só tirar a presidente Dilma para o crescimento retornar. Segundo a pesquisa Focus do Banco Central (03/01/22), o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de 2022 não deverá ultrapassar 0,36%. Se se confirmar essa previsão, entre 2019 e 2022 o PIB terá um crescimento de míseros 0,5% ao ano. Este número do governo Bolsonaro só é superior que o do governo de Michel Temer, quando houve decrescimento médio de -0,13% ao ano, entre 2016 e 2018. Se se confirmar a previsão do PIB para este ano, da pesquisa Focus, (0,36%), o PIB de 2022 voltará aos patamares de 2013.

     O baixo crescimento durante as gestões golpistas (Temer/Bolsonaro) decorre, em boa parte, da destruição do mercado interno, ou seja, do arrocho salarial, do aumento do desemprego, do fim dos ganhos reais do salário mínimo. Não se trata de teoria. Ainda está bastante vivo em nossas memórias os efeitos virtuosos dos aumentos reais do salário mínimo, no recente período entre 2004 a 2016. Aumento de salários, especialmente de pisos, não é problema para o país, pelo contrário é a solução. Quando aumenta o salário o empresário individualmente tem uma elevação momentânea de custos, que ele tem que administrar imediatamente. Mas ele ganha largamente, com a ampliação do mercado consumidor interno, com o aumento da clientela.  

      Com a negociação dos pisos o custo da força de trabalho (no custo total industrial) aumentou em 0,99% (10,50% sobre 9,4%) exatamente na parte do custo empresarial que produz valor novo. Máquinas e equipamentos não produzem valor, apenas o transferem às mercadorias. A negociação dos pisos irá proporcionar cerca de R$ 140 ou R$ 150,00 mensais, para quem produz toda a riqueza do estado, que é o trabalhador. Trabalhador este que, depois, irá consumir a maioria dos bens produzidos. Por que o País está há seis ou sete anos ou em recessão ou em estagnação econômica? Porque, dentre outras razões, o mercado consumidor está sendo destruído pelo golpe. Destruição de direitos e de salários nunca levou a crescimento econômico em país nenhum do mundo. Pelo contrário, se o mercado consumidor interno é destruído, aumenta a dependência do país de mercados externos, como está acontecendo concretamente com o Brasil.

    É interessante prestar atenção no caso da Espanha, que revogou já em 1º de janeiro a contrarreforma trabalhista que aprovaram em 2012. Através da negociação tripartite eliminaram a legislação que só prejudicava o Trabalho.  As mudanças trazidas pelo decreto-lei de 30 de dezembro de 2021, na Espanha, decorrem de uma negociação que envolveu empresas, sindicatos e partidos que compõem o governo, que dão sustentação ao Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), que está no comando do país. A Espanha fez a reforma trabalhista em 2012 com o discurso de que iria gerar empregos. O país está com taxa de desemprego de 14,5% (taxa parecida com a do Brasil), uma das mais elevadas da União Europeia.

     A reforma trabalhista da Espanha de uma década atrás, foi uma das bases para a contrarreforma feita no Brasil em 2017, sob o governo golpista de Michel Temer. Lá como aqui a desculpa era a de gerar empregos. Da contrarreforma para cá, o número de trabalhadores sem emprego e precarizados (informais, desempregados e desalentados) no Brasil, saltou de 52,3 milhões de pessoas para 61,3 milhões, segundo o IBGE. Isso significa que, com a contrarreforma, nove milhões de compatriotas, número equivalente a quase três vezes a população do vizinho Uruguai, pioraram muito sua condição de vida e trabalho. Estes são os fatos.

                                                                                     *Economista 13/01/2022.

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

A inconfundível “fala suave” dos EUA na política mundial

 José Álvaro de Lima Cardoso

                                                Dois dos lugares mais “quentes” do mundo, neste momento, são a Ilha de Formosa (Taiwan) e a Ucrânia, que colocam os EUA em posição de conflito direto com os seus dois maiores inimigos (China e Rússia). No dia 17 de dezembro a Rússia divulgou um documento preliminar, do que seria um acordo que pretende firmar com EUA para for fim à crise da Ucrânia. Basicamente quer que os EUA se comprometam a “impedir uma maior expansão para o leste da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a negar a adesão à aliança aos estados da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas”. Para cumprir o acordo, a Otan teria que sair da Estônia, Letônia e Lituânia. Pelo documento apresentado por Putin, seria também vetada a possível entrada da Ucrânia na Otan. Além disso, a Rússia também solicita a devolução, aos respectivos territórios (Rússia e EUA), de armas nucleares já posicionadas em outros países.

     O governo da Ucrânia alega que mais de 90 mil soldados russos já estão concentrados na fronteira e teme uma invasão do país. Mas outras fontes informam que as tropas russas estão a cerca de 150 km da fronteira, e, conforme o governo russo, as operações visam exclusivamente a autodefesa do país. O risco de a situação piorar é muito elevado, dificilmente o entrevero irá se resolver sem confronto. Um dos dois lados teria que ceder, mas essa possibilidade não parece estar colocada. Essa é uma das situações mais críticas na região, nas últimas décadas, o que deixa todas as possibilidades de desfecho, em aberto.

      A crise mostra também que o governo de Jon Biden é uma grande ameaça para a conjuntura internacional, trazendo permanentemente o risco de guerra, em várias partes do mundo. Desde as primeiras entrevistas de Biden, já na condição de presidente, ficava clara essa tendência da política de Biden acirrar as relações entre as potências. Vale lembrar que o presidente dos Estados Unidos, em março deste ano, utilizou uma entrevista ao canal ABC News, dos EUA, para chamar Putin de assassino. Provocado pelo apresentador, Biden respondeu afirmativamente à indagação de que Putin seria um assassino. A alinha adotada por Biden nessa e em outras manifestações, já indicavam o tom que teria a diplomacia norte-americana neste governo. Mas o certo é que, desde as eleições, Biden falava recorrentemente em recuperar terreno em relação à Rússia e China, no referente à vários aspectos, especialmente o geopolítico.

      O agravamento da situação política na Ucrânia decorre principalmente do comportamento agressivo dos países imperialistas, especialmente dos EUA.  Os países imperialistas europeus, como Inglaterra, Alemanha e França, com nuances, no geral apoiam a política do império estadunidense na região. A Ucrânia, que é um país independente, poderia fazer parte da Rússia, como gostam de lembrar os analistas internacionais independentes. Mas é um país que sem dúvida faz parte do cordão de defesa do território russo, e é estratégico para a Rússia de muitos pontos de vista, incluindo o da segurança.

     Apesar dos alertas do governo da Ucrânia, não parece que a Rússia esteja disposta a invadir o país. Putin tem procurado abrir diálogos com os demais países imperialistas, no sentido de evitar um agravamento da crise, que pode descambar para uma guerra na Região, envolvendo as principais potências. Os EUA têm postura bastante agressiva na Ucrânia. Segundo o governo da Rússia, em novembro, as forças armadas dos EUA ensaiaram um ataque nuclear contra a Rússia com bombardeiros vindos de duas direções, no início daquele mês. O governo russo tem acusado os EUA e a Otan (organização do Tratado do Atlântico Norte) em geral, de manter um comportamento provocador, destacando o fornecimento de armas para a Ucrânia, e também de realizar exercício militares perto da fronteira russa, a menos de 20 KM. O governo russo denunciou, inclusive, que os EUA fizeram simulação de um ataque nuclear, no começo de novembro.

     No dia 15 de dezembro, numa iniciativa do enxadrista Vladimir Putin, a Rússia aprovou na Assembleia Geral da ONU, a resolução «Combater a glorificação do Nazismo, Neonazismo e outras práticas que contribuem para alimentar formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada». Foram 130 votos a favor, dois votos contra (EUA e Ucrânia) e 51 abstenções (incluindo a de Portugal, de todos os estados-membros da União Europeia e outros aliados dos EUA, como o Reino Unido). A resolução visa impedir construções de monumentos e memoriais, bem como à celebração de manifestações públicas em nome da glorificação do passado nazi, do movimento nazi e do neonazismo. Moscou denuncia que são frequentes a profanação e demolição de monumentos construídos em memória dos que combateram o nazismo na Segunda Guerra Mundial. Essas iniciativas tem o apoio, tácito ou explicito, do governo da Ucrânia.

     O governo Biden tem que ficar muito atento para evitar novas derrotas. A que amargou no Afeganistão neste ano, país conhecido como “cemitério dos impérios”, foi simplesmente acachapante. O Talibã impôs uma derrota ao exército mais poderoso do mundo, superior à que os EUA experimentaram em Saigon, há quase meio século atrás. Apesar das tentativas de disfarçar a gravidade do acontecimento, os EUA saíram escorraçados do Afeganistão, por um grupo de combatentes inferiorizados militarmente, tecnicamente e financeiramente. A derrota dos EUA para o exército Talibã, que dispunha de armamentos infinitamente inferiores aos dos EUA, só tem uma explicação: a população apoiou a guerrilha.

    Com Biden, os norte-americanos deverão promover uma série de conflitos militares no mundo, “por procuração” com outros grupos, tropas irregulares como fizeram na Síria e em outros países. O objetivo é estimular a oposição interna para depois, apoiado pela OTAN, partir para agressões militares. Provocação à Rússia, China, Venezuela e Nicarágua, é esse o ambiente que deve prevalecer nos próximos anos. Joe Biden foi o candidato da máquina de guerra norte-americana: Pentágono, falcões, CIA e demais serviços de espionagem, forças armadas, grande capital imperialista, etc. Ou seja, a fina flor da política imperialista apoiou Biden. Trump presidente, comparado com Biden, foi um “estranho no ninho”, acusado, inclusive, de aproximação com a Rússia. 

          O padrão de vida conquistados pelos norte-americanos está relacionado, em parte, à sua ação imperialista no mundo todo. Então, ao mesmo tempo em que eles tem que se preocupar com a disputa geopolítica com a Rússia, estão de olho, por exemplo, no tabuleiro político latino americano. Não é nada específico contra a Rússia ou China. É que atuam como um Império que são, e aqueles são seus principais rivais. Se quisermos entender a natureza da “democracia” nos países imperialistas, precisamos saber que o orçamento militar dos EUA para o ano que vem, de US$ 768 bilhões, é superior aos orçamentos militares somados dos 10 países seguintes com os maiores orçamentos.

    Os Estados Unidos, além de suas frotas de porta aviões, navios e submarinos nucleares que cruzam os mares de todo o mundo, possuem mais de 700 bases militares terrestres fora de seu território nacional nos mais diversos países. Eles conseguiram essas bases através de tratados e do peso da economia norte-americana, do imperialismo norte-americano. Russos e os chineses não têm esse poderio. Uma das razões dos EUA terem encaminhado o golpe no Brasil foi a aproximação com a Rússia e a China através dos BRICS. Em 2015, antes do impeachment, o Brasil tinha assinado com a China 35 grandes projetos de infra-estrutura no país, incluindo a Ferrovia Transocenianica, ligando o Atlântico ao Pacífico, ligando o Brasil (RJ) à Lima, no Peru.

    A democracia norte-americana funciona segundo aquele princípio sintetizado por Roosevelt: “Fale suavemente e carregue um porrete grande” (Theodore Roosevelt, Presidente dos Estados Unidos, 1901-1909). A situação na América do Sul, por exemplo, é muito frágil porque não tem nenhuma potência com capacidade nuclear. Por outro lado, nenhum país tem uma aliança estratégica do ponto de vista militar, com Rússia ou China. Tudo isso torna a situação do subcontinente extremamente vulnerável. 

   Um sintoma de que a política do “grande porrete” funciona nas relações internacionais, foi o quase sepulcral silencio da China e da Rússia, em relação ao golpe no Brasil, assim como nos demais países da América do Sul. A China perdeu uma porção de negócios na América Latina toda, por causa dos golpes, mas não se manifestou mais fortemente.  Os norte-americanos querem obrigar Rússia e a China a recuarem das posições geopolíticas que eles adquiriram no último período. Eles vão procurar fazer com que os russos e os chineses gradativamente cedam terreno, tanto do ponto de vista militar como do ponto de vista econômico. Essa postura tende a acirrar muito as relações entre as potências, no próximo período.

 

                                                                                             21.12.21.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

A Petrobrás e o poder da “concorrência”

 

*José Álvaro de Lima Cardoso

      Recentemente o ministro da economia, Paulo Guedes, falou que o Brasil teria que vender rapidamente a Petrobrás, porque daqui a 30 anos ela não valerá mais nada. Como já observamos em outro texto, ele deveria alertar do problema os “desinformados e ingênuos” banqueiros (tendo à cabeça os EUA) que deram um golpe arriscadíssimo, e de graves consequências no Brasil, com o objetivo econômico principal de roubar o petróleo e outras riquezas fundamentais. Cabe saber que governo, em sã consciência, ou que não fosse resultado de um processo sórdido, entregaria a preço de banana, um patrimônio que gerou R$ 74 bilhões de lucro líquido apenas nos 2º e 3º trimestres de 2021 e que neste ano fará a maior distribuição de dividendos para os seus acionistas na história da empresa.

     Muita gente questiona como os “capitalistas nacionais” apoiaram o golpe de 2016 e a entrega da Petrobrás para o sistema financeiro internacional. Afinal de contas a Companhia é fundamental para as empresas nacionais do ponto de vista da tecnologia, fornecimento de matérias primas, atração de investimentos e garantia de energia barata (sem a qual não há desenvolvimento). Mas, aqui é necessário compreender que alguns setores da burguesia brasileira são estreitamente associados à burguesia norte-americana, especialmente ao capital financeiro internacional. Eles estão longe de serem capitalistas nacionais, com interesses próprios, distintos do imperialismo. Por isso atuam sempre em consonância com os interesses imperialistas. Esse processo ficou muito evidente em 2016, quando setores do empresariado, que se beneficiaram diretamente com as políticas de crescimento e de aumento do mercado consumidor interno promovidas pelos governos de esquerda, aderiram à galope ao processo golpista que vinha sendo engendrado, com a mal dissimulada coordenação dos Estados Unidos.

     Bolsonaro é fruto direto do golpe de 2016 e da fraude eleitoral de 2018. Para o imperialismo (e portanto para a burguesia brasileira), ele é um excelente presidente, porque está cumprindo todo o programa de guerra contra a população. Como disse o banqueiro André Esteves, do BTG, no vídeo vazado há uns dias: “se Bolsonaro fechar a boca ele tem grandes chances de vencer as eleições”. Claro, porque caso não surja uma terceira via ele será o candidato da burguesia. Afinal, ele tem uma “ótima política” de liquidação de direitos, com a vantagem de propor recorrentemente em privatizar a Petrobrás (claro, sempre como se fossem falas casuais).

     Neste debate da Petrobrás e da questão nacional, é fundamental compreender que o capital imperialista não se impõe num país predominantemente por meios econômicos. Não é que as empresas multinacionais seriam extremamente eficientes, muito produtivas, e, por mecanismos de mercado, engoliriam as empresas nacionais. Esse fator acontece também, mas está longe de ser predominante, além de ser precedido de mecanismos extra-mercado. O imperialismo atua predominantemente através de meios extra econômicos, ou seja, atua através da sua força política, econômica e bélica. É desta forma que consegue manter sob controle, em grande medida, a economia dos países em que atua.

     O golpe de Estado no Brasil (como no subcontinente latinoamericano) é prova cabal disso. O imperialismo, disposto a interromper o crescimento da esquerda no país (mesmo sendo esta muito moderada e negociadora) mobilizou, possivelmente, bilhões de dólares para corromper dirigentes, obter informações, comprar meios de comunicação, pagar espiões, para dar o golpe. Pensem no custo financeiro, logístico e político de uma operação dessas. Mas técnicas de guerra híbrida, recrutamento dos traidores internos, compra de autoridades, são ações que nada têm a ver com disputa econômica via concorrência, no sentido clássico da expressão.

     Vamos recordar aqui uma medida diretamente decorrente do golpe, a Medida Provisória 795, mais conhecida como “MP da Shell”, aprovada no final de novembro de 2017, que criou um regime especial de importação de bens a serem usados na exploração, desenvolvimento e produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos, com benefícios fiscais para multinacionais petroleiras. Só essa medida irá representar, em 20 anos, perda de receita para o Brasil na casa de R$ 1 trilhão. Por mais ingênuo que se seja, é possível alguém acreditar que uma medida desse tipo seja boa para o Brasil e que tenha sido encaminhada de boa-fé? Claro que processo proporcionou muito dinheiro para grupos internos que puderam influenciar os resultados. Essa medida nada tem a ver com concorrência econômica, o golpe de Estado num país complexo como o Brasil não tem nada a ver com concorrência. É uma ação de autoria do imperialismo para continuar dominando uma parte fundamental do planeta: território, mercado consumidor, apoio político, bases militares. Um processo sofisticado como esse passa necessariamente por corrupção. Ou as raposas políticas brasileiras ignoram que estão destruindo o Brasil em benefício do país mais imperialista da terra e do imperialismo de conjunto?

      Muita gente pensa que Bolsonaro é um idiota absoluto, mas quando ele fala em privatizar a Petrobrás, o faz de caso pensado. É para agradar os seus senhores e também experimentar como a população reage. Se não houver sinais de reação ao risco de privatizar a Petrobrás eles irão fazer. O capital internacional usa seu dinheiro e influência para definir os rumos, ou seja, dominar a política nacional. É assim que funciona o capital imperialista. Não é que ele domine a situação porque sua tecnologia e eficiência sejam superiores, ou porque dispõe da melhor tecnologia e grande capacidade de gestão de empresas. A predominância do imperialismo é um fenômeno essencialmente político e militar. Para preservar seu poderio, se precisar eles destroem um país, como já fizeram com vários. 

     Os Estados Unidos pressionaram o Brasil para banir a chinesa Huawei do processo de implantação do 5G no Brasil. Recentemente, em agosto, veio uma delegação americana que se reuniu com Bolsonaro e também com representantes da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), responsável pelo leilão da tecnologia, e também com empresas envolvidas no desenvolvimento das futuras redes de telecomunicações. Quando o governo norte-americano vem ao Brasil e discute com o bolsonaro que o governo deve rejeitar a tecnologia chinesa no 5G, essa é uma ação que nada tem a ver com concorrência econômica. Trata-se da maior potência béclica da terra, pressionando um governo servil e advindo de um golpe, em benefício de suas empresas nacionais. Essa é a “concorrência” vigente na etapa atual de desenvolvimento do sistema capitalista. 

                                                                                                                                               *Economista, 10.11.21

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Inflação de alimentos e taxa de exploração no Brasil

 

*José Álvaro de Lima Cardoso         

        Pela mais recente pesquisa do DIEESE, sobre a evolução dos preços da Cesta Básica, o salário mínimo necessário deveria ser equivalente a R$ R$ 5.657,66, valor que corresponde a 5,14 vezes o piso nacional vigente, de R$ 1.100,00. O cálculo é feito levando em consideração uma família de quatro pessoas, com dois adultos e duas crianças. O problema fundamental da inflação no Brasil (como acontece nos países de capitalismo atrasado, em geral) é que a taxa de exploração é muito elevada, os salários são muito baixos. Qualquer elevação mais significativa da inflação coloca uma boa parte da classe trabalhadora no primeiro patamar da fome. E a elevação inflacionária atual é forte e concentrada em alimentos, o que compromete diretamente a renda da maioria da população. 

      Os preços dos produtos básicos (comida, água, energia elétrica, tarifas de transporte) estão aumentando num momento em que a classe trabalhadora brasileira atravessa o seu pior ciclo de empobrecimento da história. Esse ciclo foi causado pelo golpe de 2016, que veio para isso mesmo. O golpe foi operado por “necessidade”, ou seja, a profundidade da crise requer maior transferência de riqueza da periferia para o centro, o que significa a necessidade de destruição de direitos, além de outras ações, como a entrega da Eletrobrás. Neste momento de grande crise mundial, não é mais possível manter governos nacionalistas e sociais-democratas na periferia capitalista, sem que entrem em rota de colisão com os interesses do imperialismo.

     Por isso derrubaram governos em toda a América Latina. Por essa razão os governos que resultaram de golpes desfizeram rapidamente as escassas políticas sociais ou distributivas que existiam. Michel Temer, por exemplo, mal assumiu com o golpe, tratou de liquidar a Lei de Partilha, que retinha, em maior grau, a renda petroleira no Brasil. O exemplo do petróleo no Brasil ilustra com riqueza o que é ser um trabalhador de um país dominado pelo imperialismo. O país dispõe de uma das maiores reservas de petróleo no mundo, e é um grande produtor de petróleo. Ao mesmo tempo estão vendendo as refinarias, para tornar o país apenas um exportador de óleo cru e depender cada vez mais de importações de derivados de petróleo, principalmente dos EUA. E quantidades crescentes da população não têm o que comer. Quando a cotação do barril de petróleo aumenta internacionalmente, quem ganha não é povo pobre e negro brasileiro, e sim os investidores da Bovespa e da Bolsa de Nova York. 

     O fato é que com os níveis salariais do Brasil, mesmo com inflação zero, o trabalhador tem a sensação de que ela é muito elevada. É que o custo de vida é muito alto para os salários vigentes, mesmo que ele não esteja aumentando (ou seja, mesmo que a inflação fosse zero). Muitas vezes os trabalhadores reclamam da inflação, mesmo com ela estando em nível muito baixo. Na verdade, a reclamação é direcionada para os baixos salários. Se o trabalhador recebe o salário mínimo para o sustento de duas ou três pessoas e uma cesta básica para um adulto custa R$ 650,00 ou mais, a conta nunca irá fechar. Na realidade, essa é uma confusão entre inflação e salário baixo, que são temas correlacionados, porém distintos.

     Se a família sobrevive com um salário mínimo (e no Brasil são muito milhões de famílias nessa situação), a inflação pode ser zero que, mesmo assim, irá faltar dinheiro para suprir as necessidades básicas. A inflação atual, causada em boa parte pelo aumento de preços dos alimentos, impacta frontalmente o pobre. Quem sobrevive com um salário mínimo no Brasil (no total, 27,3 milhões de brasileiros recebem até um salário mínimo, cerca de um terço do total da força de trabalho do país, segundo dados da Pnad-IBGE), gasta praticamente toda a sua renda para comprar comida. Dependendo do número de dependentes da família, não consegue pagar nem mesmo luz e água.  

     Nesse contexto, quando há uma pressão dos alimentos a renda do pobre é impactada direta e mais fortemente. Em menor escala a classe média baixa sente também. Já as famílias ricas nem ao menos percebem a inflação, especialmente se esta for causada por alimentos. O rico, pelo contrário, aproveita a alta de preços para ganhar dinheiro. Se o preço da carne no varejo sobe muito acima da inflação em um ano, como constatou o DIEESE na sua pesquisa de cesta básica, é evidente que esse aumento beneficia o empresariado. É a hora de proprietários de gado, de grandes atacadistas de alimentos, donos de supermercados, etc., fazerem um lucro extra.

                                                                                             *Economista 25.10.2021.