sexta-feira, 5 de agosto de 2016

A Dominadora contra o Narciso

Pepe Escobar, Information Clearing House

  
A história pode ser uma ótima roteirista – atualmente apresentando uma escolha agonizante de faça ou morra (“O amor triunfa sobre o ódio” vs. “Prendam-na!”) não somente aos eleitores dos EUA mas também ao mundo todo, que será afetado, direta e indiretamente, por essa escolha.

Em um lado temos um bilionário populista pop Narciso, conhecido como “cara de cheetos” (obrigado, Escócia) e artista de reality show se vendendo como a única cura para uma distópica América do Norte pós-Mad Max.

No outro lado temos o que o contador de histórias e monitor chefe, Bill “na primavera de 1971, eu conheci uma garota” Clinton, descreveu como uma garota trabalhadora e do bem que também parece ser uma neoliberal excepcional dedicada em tornar o mundo seguro para todos os tipos de interesses, desde Wall Street até o complexo de inteligência industrial-militar-midiático-de segurança e até a AIPAC (Comitê de Relações Públicas América-Israel).

Nada menos que 68% - e contando – dos norte-americanos, de acordo com uma pesquisa feita essa semana, não confiam na garota que derreteu o coração de Clinton na primavera de 1971. E ao que parece – ainda sem contar com o impacto da Convenção Nacional Democrata – o Narciso pop, contra todos os imprevistos, está a frente.

Caos contra caos

Ela pode ser a rainha do caos, pretendida para reinar no Império do Caos, enquanto para o Narciso pop, o doce cheiro do sucesso se reduz a uma tática de guerrilha incansável usando o caos contra os fundamentos do Império do Caos, com menos de 140 palavras de uma vez.

Até agora, ele identificou claramente o apego de Hillary Clinton aos dogmas bipartidários com o potencial de torná-la vulnerável – queimando tudo desde o livre-comércio (especialmente o NAFTA) até a construção da nação, e até a troca de regime. No processo, ele explorou visceralmente uma maioria da classe trabalhadora que está puta e não aguenta mais. O Narciso pop claramente saboreia seu papel de Republicano posando como um choque ao sistema.

Ainda assim, a máquina Clinton – vergonhosamente surfando na tsunami dos emails – não pegou a mensagem, e escolheu o Senador de Virgínia Tim Kaine como companheiro de chapa da Hillary; um menino neoliberal de Wall Street omisso quanto aos direitos dos trabalhadores, fiél ao seu caráter corporativo, e fã da Parceria Trans-Pacífica (TPP).

A oposição à TPP – uma possível candidata como o Vietnã de Obama – pode ter sido incorporada no último minuto na plataforma do Partido Democrata. Mas ainda assim ninguém realmente sabe se Hillary é a favor, contra ou se irá se esquivar até o infinito. O Senador de Virgínia, terra da CIA e do Pentágono, também é um entusiasta do drilling marítimo.

Pat Buchanan, que trabalhou para Nixon e Reagan e sabe uma coisa ou outra sobre corredores de poder, descreveu a ideologia do Narciso pop como “etnonacionalismo”; um protecionismo/nativismo encharcado de nostalgia/xenofobia. Mas com uma mudança; nos inimigos está inclusa a elite corporativa excepcional.

E é aí que realmente começa o jogo. Por dias, entre as convenções Republicana e Democrata, o ciclo de notícias estava monopolizado pelo drama histérico de “Trump como agente de Putin”. Porta-vozes neoliberais disfarçados de conservadores respeitados dissecaram cada nuânce – fabricada – do “romance”. Agentes da inteligência surtaram com o fato de que agora Trump tem acesso a instruções altamente confidenciais de segurança nacional. Ex-poderosos da OTAN como o aposentado almirante da marinha James Stavridis retumbaram que as meditações de Trump na Rússia e com a OTAN, “prejudicam a confiança européia na confiabilidade dos EUA como um aliado – particularmente à luz das aventuras russas”.

O simples fato de que o Narciso pop não parece inclinado a continuar uma segunda Guerra Fria contra a Rússia, foi suficiente para condená-lo por traição nacional.

O fogo anda comigo

Os papéis principais de Hillary Clinton, por outro lado, são hits de sucesso.

Aqui(1) está ela como menina de ouro de Wall Street. Aqui(2) ela está como uma máquina interesseira incansável. Aqui(3) ela está como uma Rainha da Guerra Neo-Atena. E esperem um futuro Oscar para as Três Harpies que irão conduzir os próximos jogos vorazes: Hillary Clinton, como presidente, Michele Flournoy como líder do Pentágono e – as mais terríveis palavras na língua inglesa – a secretária de Estado, Victoria Nuland.

A CIA não derrubou o WikiLeaks. Hillary irá assegurar que alguém o faça. Ela irá assegurar que a “agressão russa” seja inserida como um tipo de mote nacional. Quando Clinton apostou em um “reset” na relação EUA-Rússia, em inglês e russo, foi traduzido como excesso – algo que suscitou um sorriso do ministro das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, mas que também suscitou milhares de piadas ao redor da Rússia.

Enquanto Hillary é uma discípula fiél à doutrina de dominação  do Pentágono, Trump tem sido esperto o suficiente para posar fora desse espectro. E é por isso que ele se tornou tão atraente a grandes públicos de homens brancos enfurecidos, sem graduação, que quase não conseguem pagar as contas, ressentidos com tudo, começando por um comandante chefe incorporado por “cara negro magro com um nome engraçado” e agora, possivelmente – horror dos horrores – por uma mulher poderosa. E tudo fica ainda mais fácil, para passar a mensagem, só é necessário um vocabulário minimalista.

Interesses poderosos por trás de Trump salientam os três itens chave de sua agenda: para com a imigração ilegal; reconstruir o exército dos EUA; e lutar contra a fraude monetária – do Banco Central Europeu (ECB) até o Japão mas também na China – para trazer os empregos de volta para casa.

Alguma parte disso pode atrair o establishment norte-americano. Ao invés, virtualmente todo o establishment, agora regimentado sob a Rainha do Caos, prevê um potencial reinado do Narciso pop como uma distopia racista, populista e fascista – completa com um muro estúpido, idolatria aos AR-15 e submissão total ao reparador em comando.

Ninguém realmente sabe como o reparador em comando iria conduzir a política externa. Nenhum presidente dos EUA é capaz de dobrar a vontade do Partido da Guerra. No momento, os Democratas contam com a pressão de uma perigosa triangulação. Há mais de dois anos atrás, Hillary Clinton alinhou(4) o presidente Putin com Hitler. Essa semana, enquanto vende Clinton para a nação como sua sucessora, o presidente Obama disse, “qualquer um que ameaçar nossos valores, sejam fascistas ou comunistas ou jihadistas ou demagogos, sempre cairá”.

No final, isso não é sobre valores; é sobre o fracasso nunca ser uma opção para o Estado Paralelo dos EUA, o estado dentro do estado, que controla as políticas públicas. O mote do Estado Paralelo pode ter sido idealizado por um personagem de David Lynch: o fogo anda comigo. Quem irá encarar o fogo, Atena ou Narciso?




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