segunda-feira, 9 de maio de 2016

"Dilma não deu nenhuma guinada à esquerda", diz líder do MST


Stedile: "Todos os atos do Temer serão contestáveis, porque o que está em curso é um golpe. Dilma não cometeu crime".


Às vésperas do possível afastamento da presidente Dilma Rousseff, o líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, afirma que não haverá condições de diálogo com uma futura gestão Michel Temer (PMDB) e diz que os movimentos sociais deverão recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o impeachment. Stedile afirma ainda que a presidente do PT não cairá, como argumentam alguns de seus defensores, porque apostou em políticas públicas para os mais pobres. Ela teria ficado isolada ao buscar um governo de conciliação de classes. "Dilma não deu nenhuma guinada à esquerda", afirma.
Em sua opinião, a principal resistência a Temer nas ruas não deverá vir dos grupos organizados. Mas sim de "80% da população" que assiste de forma atônita à saída da presidente do cargo e que poderá sentir no bolso, nos próximos meses, os impactos da crise econômica, com a continuidade dos problemas políticos, diz Stedile, em entrevista ao Valor.
O líder do MST, um dos movimentos que mais têm mobilizado militantes contra o impeachment, afirma que "quem derrubou a presidente foi a economia" e a falta de ações do governo para solucionar a crise nessa área. O agravamento dos problemas econômicos e a "falta de legitimidade" do governo Temer, segundo Stedile, poderão levar às ruas aqueles que ainda não foram protestar, apesar de o desemprego já ter atingido mais de 10 milhões de pessoas e a inflação ter corroído o poder de compra da população. "É a situação econômica que poderá tirar parte desses 80% [dos brasileiros] da situação de 'atônito' em que estão. As pessoas não sabem ainda o que fazer", diz.
"Aquelas parcelas que estão desorganizadas poderão se mobilizar se perceberem que o 'Plano Real' do Temer é reimplantar o neoliberalismo no Brasil, como está escrito na proposta do PMDB. A agenda para o futuro deles é, na verdade, uma volta ao passado neoliberal, que vai tirar direito dos trabalhadores, prejudicar amplas camadas da população e não vai tirar a economia da crise", diz o líder do MST. "É possível que nos próximos meses, com o agravamento da situação econômica e do desemprego, as pessoas comecem a se dar conta de que o problema não era o governo, mas sim a necessidade de um projeto para o país."
Os movimentos sociais, que têm se mobilizado em defesa do mandato de Dilma, continuarão a protestar contra o PMDB. Amanhã, na véspera do início da votação no Senado sobre o afastamento da presidente, as mais de 70 entidades que compõem as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, como MST, CUT e MTST, farão manifestações em todo o país. Se Dilma tiver que deixar o cargo temporariamente, esses grupos descerão a rampa do Palácio do Planalto com a petista. Em um futuro governo Temer, as entidades prometem não dar sossego ao PMDB. "Será um governo ilegítimo. Como é que se pode fazer um acordo? Não dá", diz Stedile. "Todos os atos do Temer serão contestáveis, porque o que está em curso é um golpe. Dilma não cometeu crime. A saída não é um golpe, mas sim a sociedade se reart icular e discutir um novo projeto para o país", diz.
O MST e outros movimentos populares devem recorrer ao STF "contra o golpe", afirma. "O Supremo tem que dizer que está na Constituição que um presidente só pode ser afastado se cometer crime e vai ser chamado a ser a última instância desse julgamento. O absurdo é tão grande que, se pedaladas fiscais fossem crime, então Temer também teria que se afastar. Ele está arrolado porque assinou decretos das pedaladas."
Apesar da defesa do mandato de Dilma, as críticas do MST ao governo não são poucas, a exemplo de outros movimentos populares. Nos dois mandatos da presidente, a reforma agrária teve seu pior resultado dos últimos 20 anos, desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Em 2015, não houve desapropriações para fins de reforma agrária. Às vésperas de seu afastamento, Dilma fez acenos à esquerda, com a assinatura de decretos para desapropriar 35,5 mil hectares para a reforma agrária e de 21 mil hectares para regularizar territórios quilombolas. A avaliação do MST, que representa cerca de 300 mil famílias assentadas e 120 mil acampadas, é que foram feitos tardiamente e têm alcance restrito.
"Dilma não deu nenhuma guinada à esquerda. O governo está paralisado e essas desapropriações foram simbólicas. É uma merreca. Dá 3 mil famílias. Dos quilombolas são 799 famílias", afirma.
Stedile discorda da tese defendida pelo PT de que o governo cairá porque apostou nos pobres. O dirigente reclama que Dilma, assim como Lula, "nunca fez um governo de esquerda", mas sim de conciliação de classes e diz que com isso a presidente isolou-se. "Não era um governo de esquerda nem popular e no segundo mandato os setores da classe dominante que antes estavam com Lula se afastaram. A presidente ficou sozinha", diz. "Foi um erro não investir na esquerda, não montar os ministérios em diálogo com a sociedade e as forças populares", afirma. "Se depois das eleições tivesse apresentado um plano vigoroso de combate à crise econômica, de investimentos pesados para solucionar os problemas sociais, não teria chegado a essa situação."
O líder do MST não descarta o retorno da presidente ao cargo, por decisão do Senado ou do STF, e diz que Dilma terá de repactuar com a sociedade e "esquecer" os "oportunistas" como PMDB, PSD e PP.
A expectativa para um eventual retorno de Dilma é justificada não só por um possível agravamento da crise econômica, mas também pela continuidade dos problemas políticos. "Temer não vai resolver a crise política. Além de ser ilegítimo, não terá capacidade moral nem política de encaminhar reforma política."
Mesmo diante da possibilidade de impeachment de Dilma, o MST não descarta o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018. No entanto, o modelo defendido de candidatura é outro, com o lançamento de um nome por uma frente ampla de esquerda, com apoio de movimentos sociais, artistas, intelectuais e religiosos, em que os partidos tenham menos peso. E esse candidato não será, necessariamente, Lula. "Temos que construir um novo projeto e chegar aos 80% da população que não foram às ruas contra Dilma nem estão organizados", diz.

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