domingo, 8 de maio de 2016

Ato falho que revela um substrato do inconsciente


por J. Carlos de Assis, no Jornal GGN.


Num artigo anterior escrevi que o STM usou Cunha até ele se tornar inútil para o impeachment de Dilma. Foi um ato falho. Quis dizer STF, que é senhor absoluto do tempo e dos destinos em seus processos, os quais julga de acordo com as conveniências e os interesses pessoais dos ministros. Entretanto, meu comentário talvez contivesse algum recado do inconsciente. Nessa zorra que se tornou a dança das instituições republicanas no Brasil, o que andam pensando os ministros militares de dentro e de fora do STM?
De vez em quando ouvimos uma opinião, aliás bastante sensata, do comandante do Exército, general Vilas Boas: é indiscutivelmente em defesa da institucionalidade e do cumprimento rigoroso da Constituição. Eu próprio ouvi de um general na ESG uma observação também sensata: “Meus amigos civis às vezes me provocam perguntando o que nós, militares, vamos fazer diante da crise. Eu respondo: e o que vocês, civis, fizeram?” Nada sugeriria, nesse contexto, uma intervenção militar. Mas vamos especular sobre contextos.
Temer dificilmente governará. Seu sistema de aliança, baseado em ministérios e cargos, revelará um governo de interesses escusos difíceis de conciliar. Ademais, como se trata de uma aliança oportunista, da qual se esperará render frutos sobretudo a curto prazo, tenderá a rápida fragmentação sob a pressão do mundo real. Sim, porque a economia continuará se contraindo e a taxa de desemprego explodindo, apresentando ao ex-deputado, sem qualquer experiência administrativa, os desafios do mundo real.
Sindicatos e movimentos sociais não darão trégua a Temer. Recorde-se que, mesmo considerando Dilma sua presidenta, eles começaram a escalar nas cobranças ao governo petista no ano passado, sobretudo quando se insurgiram contra a aberração do pacote de Joaquim Levy. Agora, não há nenhuma relação de lealdade da maior parte do povo com o governo Temer. Ele terá de encarar uma proporção majoritária da sociedade em demandas imediatas, que se confrontam com as políticas propostas por futuros ministros já conhecidos.
Não me surpreenderá se Temer cair em seis meses. Empossado Renan, também ele sem experiência administrativa, nada indica que sobreviverá mais que algumas semanas sob a forte pressão política e social. Então vem Lewandowski para comandar uma eleição presidencial para cumprimento do mandato de Dilma (se a crise se der ainda este ano). Entraremos provavelmente numa convulsão, pois a derrubada de Dilma por golpistas não seria completa se Lula fosse deixado solto para disputar a eleição, agora ou em 2018.
Ainda assim tudo estaria dentro da institucionalidade. Um evento adicional seria levar a eleição presidencial para o próximo ano na esperança de que, sempre tirando Lula do caminho, se coroe o príncipe parisiense, Fernando Henrique Cardoso, numa eleição indireta. É provável que a convulsão social, nessa hipótese, se torne um turbilhão de revoltas, misturando ilegitimidade política, desastre social, alto desemprego, degradação do aparelho do Estado, atraso geral de salários e proventos, tudo sob a batuta austera de Meirelles e Armínio Fraga.
Entrementes, José Serra terá se aproveitado da bagunça institucional para assaltar o pré-sal em favor das multinacionais, os promotores da Lava-Jato, em nome do combate à corrupção, terão acabado de destruir as grandes empreiteiras, e empregadoras, brasileiras, privadas dos acordos de leniência em discussão no Congresso atacados por promotores bisonhos e irresponsáveis, uma lei específica congelará o status de independência de um banco central a serviço do capital financeiro e da especulação.
Mesmo nesse contexto, meu caro general Villas Boas, continuarei repelindo a ideia de uma intervenção militar para superar a crise de nossa democracia. Entretanto, me ocorre que talvez fosse oportuno o senhor dar um pequeno recado aos políticos que estão no comando do processo, nos seguintes termos: “Olhem, rapazes, inclusive vocês do Judiciário, do Legislativo e da Procuradoria da República, por favor, não exagerem. Já derrubaram uma presidenta eleita legitimamente. Agora não fujam de suas responsabilidades de recuperar a economia e reverter a crise social sem precedentes. Ou todos acabaremos exaustos”.
J. Carlos de Assis - Economista, professor, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 20 livros sobre economia política brasileira.

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