terça-feira, 17 de maio de 2016

Razões geopolíticas do golpe

                                                                                             *José Álvaro de Lima Cardoso      

         De certa forma as dificuldades da economia internacional, e o fim do boom de commodities, fizeram o capitalismo dependente brasileiro voltar ao seu “modo normal” de funcionamento, que não suporta avanços como aumento real do salário mínimo, melhoria no perfil de distribuição de renda, e melhoria de vida da classe trabalhadora. Enquanto a situação internacional permitia pequenos ganhos aos trabalhadores brasileiros, sem prejuízo dos elevados ganhos empresariais, houve tolerância por parte das elites econômicas e política. Quando a crise virou o jogo, as posições se radicalizaram.

        Mas o processo de golpe em curso no Brasil, como em 1964, também está diretamente relacionado à razões geopolíticas: aproximação do Brasil com os vizinhos latino-americanos, defesa do Mercosul, a entrada nos Brics, descobertas do pré-sal. Não é coincidência que a Petrobrás está no olho do furacão desde o começo da crise. A operação Lava Jato foi estratégica no êxito do golpe até aqui: contribuiu para aprofundar a recessão, liquidou com várias empresas de engenharia de capital nacional e desconstruiu brutalmente a imagem internacional da Petrobrás, num momento de crise mundial do petróleo.
        O cientista político e historiador Moniz Bandeira vem, há um certo tempo, alertando que todo o processo de manifestações a partir de 2013 foram cuidadosamente preparadas com antecedência, e com utilização de agitadores treinados nas manifestações. Moniz sabe do que está falando, pois é estudioso do assunto, tendo publicado, dentre outros, os livros “Formação do Império Americano” e “A Segunda Guerra Fria”. O historiador aponta como interesses norte-americanos no processo brasileiro:
a) o interesse de manter a prevalência do dólar como moeda global, e que o fortalecimento do BRICS ameaça, na medida em que o bloco pretende substituir gradativamente a moeda como referência nas transações internacionais. A hegemonia mundial dos EUA está diretamente relacionada também ao fato de poder emitir dólar à vontade e esta ser a moeda de curso internacional. Os BRICS atrapalham esse jogo;
b) Interesse de que não se crie outra potência no continente americano. Os Estados Unidos não querem que o Brasil mantenha seu projeto de submarino nuclear e outros que concorrem para elevar a soberania nacional do Brasil. Uma potência na América do Sul e ligada comercial e militarmente à China e à Rússia, é tudo o que os Estados Unidos não querem.
        Não há como o governo interino assumir uma postura soberana em relação aos EUA. As propostas são de realinhamento automático com os EUA, em detrimento da aproximação com os vizinhos sul americanos, que vinha sendo realizada. Neste contexto se insere a proposta defendida, pelos golpistas, de alteração do modelo de partilha, e retirar da Petrobrás a condição de operadora única do pré-sal e abrandar a exigência de conteúdo local. Como têm defendido a esmagadora maioria dos especialistas, a exclusividade da operação para a Petrobrás garante ao Brasil desenvolvimento, segurança ambiental e segurança energética. Com a mudanças no modelo de partilha esses três aspectos passam a ficar ameaçados. No mundo inteiro, a história das petroleiras revela a burla constante das legislações nacionais e da total ausência de preocupação com a destinação social do petróleo e gás.
        Em fevereiro último, o Senado Federal aprovou Substitutivo ao PLS 131 que retira a obrigatoriedade da Petrobrás ser a operadora única do Pré-Sal, bem como a garantia de participação mínima de 30% nos campos licitados, como prevê a Lei 12.351/2010, que instituiu o regime de Partilha. O PLS 131 é de autoria de José Serra, importante ministro do governo golpista. O projeto, na prática, permite que qualquer campo do pré-sal possa vir a ser explorado com 100% de participação estrangeira e zero de presença da estatal brasileira. O projeto de Serra, na verdade, visa cumprir promessa feita à multinacional norte americana Chevron em 2010, de rever o modelo de partilha e retirar a Petrobrás do controle das reservas existentes no pré-sal. Segundo revelação do Wikileaks em 2013, o senador teve encontros secretos com Patrícia Padral, diretora da Chevron no Brasil, nos quais, se eleito, reveria o modelo de Partilha, proposta defendida ardorosamente pelas multinacionais do petróleo. Tem uma fala de Serra nos vazamentos do Wikileaks que é a seguinte: "Não haverá ofertas" (possivelmente, ofertas das petroleiras estrangeiras nos leilões) "e então nós mostraremos a todos que o velho modelo funcionava… e nós vamos fazê-lo voltar."
                     *Economista e supervisor técnico do Dieese em Santa Catarina.


                                              

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