*José Álvaro de Lima Cardoso
De certa forma as dificuldades da economia internacional, e o fim do boom de commodities, fizeram o capitalismo dependente brasileiro voltar ao seu “modo normal” de funcionamento, que não suporta avanços como aumento real do salário mínimo, melhoria no perfil de distribuição de renda, e melhoria de vida da classe trabalhadora. Enquanto a situação internacional permitia pequenos ganhos aos trabalhadores brasileiros, sem prejuízo dos elevados ganhos empresariais, houve tolerância por parte das elites econômicas e política. Quando a crise virou o jogo, as posições se radicalizaram.
Mas o
processo de golpe em curso no Brasil, como em 1964, também está
diretamente relacionado à razões geopolíticas: aproximação do Brasil com os
vizinhos latino-americanos, defesa do Mercosul, a entrada nos Brics,
descobertas do pré-sal. Não é coincidência que a Petrobrás está no olho do
furacão desde o começo da crise. A operação Lava Jato foi estratégica no êxito
do golpe até aqui: contribuiu para aprofundar a recessão, liquidou com várias
empresas de engenharia de capital nacional e desconstruiu brutalmente a imagem internacional
da Petrobrás, num momento de crise mundial do petróleo.
O cientista político e
historiador Moniz Bandeira vem, há um certo tempo, alertando que todo o
processo de manifestações a partir de 2013 foram cuidadosamente preparadas com
antecedência, e com utilização de agitadores treinados nas manifestações. Moniz
sabe do que está falando, pois é estudioso do assunto, tendo publicado, dentre
outros, os livros “Formação do Império Americano” e “A Segunda Guerra Fria”. O
historiador aponta como interesses norte-americanos no processo brasileiro:
a)
o interesse de manter a prevalência do dólar como moeda global, e que o
fortalecimento do BRICS ameaça, na medida em que o bloco pretende substituir
gradativamente a moeda como referência nas transações internacionais. A
hegemonia mundial dos EUA está diretamente relacionada também ao fato de poder
emitir dólar à vontade e esta ser a moeda de curso internacional. Os BRICS
atrapalham esse jogo;
b) Interesse de que não se crie outra potência no
continente americano. Os Estados Unidos não querem que o Brasil mantenha seu
projeto de submarino nuclear e outros que concorrem para elevar a soberania nacional
do Brasil. Uma potência na América do Sul e ligada comercial e militarmente à
China e à Rússia, é tudo o que os Estados Unidos não querem.
Não há como o governo interino assumir uma
postura soberana em relação aos EUA. As propostas são de realinhamento
automático com os EUA, em detrimento da aproximação com os vizinhos sul
americanos, que vinha sendo realizada. Neste contexto se insere a proposta
defendida, pelos golpistas, de alteração do modelo de partilha, e retirar da
Petrobrás a condição de operadora única do pré-sal e abrandar a exigência de
conteúdo local. Como têm defendido a esmagadora maioria dos especialistas, a
exclusividade da operação para a Petrobrás garante ao Brasil desenvolvimento,
segurança ambiental e segurança energética. Com a mudanças no modelo de
partilha esses três aspectos passam a ficar ameaçados. No mundo inteiro, a
história das petroleiras revela a burla constante das legislações nacionais e
da total ausência de preocupação com a destinação social do petróleo e gás.
Em fevereiro último, o Senado Federal aprovou
Substitutivo ao PLS 131 que retira a obrigatoriedade da Petrobrás ser a
operadora única do Pré-Sal, bem como a garantia de participação mínima de 30%
nos campos licitados, como prevê a Lei 12.351/2010, que instituiu o regime de
Partilha. O PLS 131 é de autoria de José Serra, importante ministro do governo golpista.
O projeto, na prática, permite que qualquer campo do pré-sal possa vir a ser
explorado com 100% de participação estrangeira e zero de presença da estatal
brasileira. O projeto de Serra, na
verdade, visa cumprir promessa feita à multinacional norte americana Chevron em
2010, de rever o modelo de partilha e retirar a Petrobrás do controle das
reservas existentes no pré-sal. Segundo revelação do Wikileaks em 2013, o
senador teve encontros secretos com Patrícia Padral, diretora da Chevron no
Brasil, nos quais, se eleito, reveria o modelo de Partilha, proposta defendida
ardorosamente pelas multinacionais do petróleo. Tem uma fala de Serra
nos vazamentos do Wikileaks que é a seguinte: "Não haverá ofertas"
(possivelmente, ofertas das petroleiras estrangeiras nos leilões) "e então
nós mostraremos a todos que o velho modelo funcionava… e nós vamos fazê-lo
voltar."
*Economista e supervisor técnico do Dieese em Santa Catarina.
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