A canoa virou. A democracia há de vencer. Não vai ter golpe e não vai ter mais golpistas como Octavinho. Eles já perderam a batalha moral e cultural.
José Renato Vieira Martins, na Carta Maior
Cínicos se consideram superiores.
São seres naturalmente arrogantes e soberbos. Embora se imaginem
refinados, em geral são autoritários. A bem da verdade, são autoritários
de tipo novo, pós-modernos. Cínicos agem como se fossem soberanos de
uma cidadela autárquica, invisível, organizada em torno do próprio
umbigo, convencidos de que são virtuosos por natureza.
O
cinismo se originou na Grécia, com Antístenes, discípulo de Sócrates.
Alcançou o Império Romano, onde conquistou inúmeros adeptos, entre eles o
Imperador Nero, que incendiou Roma para culpar os cristãos. O Brasil é o
berço de cínicos memoráveis. O mais vistoso deles formou-se na USP, foi
presidente da República, não tendo deixado saudade entre os
brasileiros. Octavinho, o cínico, é um rebento menor da mesma escola de
cinismo. Mas um rebento autêntico, não se iludam. Goza do prestígio e
da honra aristocrática que lhe permite pensar e agir como se fosse
superior. Mas não é.
Filho
e neto de liberais, corre nas veias do cínico Octavinho a seiva do
liberalismo tupiniquim. Não pensem que se trate de um liberalismo
qualquer, como aquele de Bolívar e San Martín, fundante do Estado
Nacional e inúmeras Repúblicas latino-americanas. Tampouco é o
liberalismo de Toussaint L'Ouverture, o general negro, libertador do
Haiti, que associou a luta pela liberdade à causa da igualdade social e
racial. Não! O liberalismo de Octavinho tem raízes no latifúndio, é
saudoso da escravidão, do pelourinho e da ama de leite.
Por
isso, seu liberalismo é doce e leitoso, como soe acontecer por
aqui. Foi patrimonialista desde a primeira missa, coronelista durante a
República Velha, autoritário nos governos dos generais. Mas sempre
"cordial" e "liberal". Se querem ter uma ideia aproximada deste tipo
peculiar de liberal, leiam Massangana. Releiam as Raízes do Brasil.
Octavinho pertence a mesma estirpe de liberais. E não imaginem que ele
seja insincero. Seria um equívoco imperdoável. Octavinho, no fundo
mesmo, é "emotivo" e "sincero", como todos os brasileiros da sua classe
social.
Acompanhando nosso cancioneiro maior, ele diria tranquilamente: "sabe, no fundo eu sou um sentimental. Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo (além da sífilis, é claro). Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, o meu coração fecha os olhos e sinceramente chora..."
Acompanhando nosso cancioneiro maior, ele diria tranquilamente: "sabe, no fundo eu sou um sentimental. Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo (além da sífilis, é claro). Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, o meu coração fecha os olhos e sinceramente chora..."
Papai
Octavinho apoiou o golpe de 64. Sabotou, conspirou, conchavou. Mas
sempre em defesa da democracia! Nunca pediu desculpas, como fez papai
Marinho. Eu imagino que ele sentiu a alma purgada dando abrigo a um
punhado de comunistas quando o pau comeu pra valer. Mas aí já era tarde
demais, pois a noite tenebrosa já tinha tomado conta de tudo. Nunca
tantos morreram em razão desse "pequeno equívoco" liberal.
Quem
sabe não seja essa a estratégia agora anunciada por Octavinho. Tornar o
país ingovernável, queimar a casa para assar o leitão e quando, no
limite da irresponsabilidade cívica, o circo pegar fogo pra valer,
sair-se com essa história de renúncia, pois "não há prova cabal de crime
de responsabilidade". É o cúmulo do cinismo. É simplesmente repugnante.
Pior do que isso papai Civita não faria. Esses meninos travessos
desonram os próprios antepassados!
Que
as pessoas de bem que ainda estão por aí na pequena-grande mídia,
colunistas, repórteres e profissionais sérios e bem intencionados, não
se deixem conspurcar por tamanha excrescência e caiam fora enquanto é
tempo. A canoa virou. A democracia há de vencer. Não vai ter golpe e não
vai ter mais golpistas como Octavinho. Eles já perderam a batalha moral
e cultural. Uma consciência política democrática está crescendo e
tomando corpo por todo país. Sem ódio ou intolerância, vamos mostrar aos
cínicos Octavinhos que o Brasil pode virar essa página, fazer uma
verdadeira reforma política, varrer a corrupção e voltar a crescer,
respeitando a Constituição, o Estado de Direito e a democracia.
Professor
de Ciência Política e Sociologia da Universidade Federal da Integração
Latino-Americana - UNILA. Presidente do Fórum Universitário Mercosul -
FoMerco.
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