terça-feira, 8 de março de 2016

Os desafios do desemprego


 Clemente Ganz Lúcio [1]

O Brasil viveu uma década de ouro para a dinâmica do emprego e da proteção social. Na década 2004/2014 predominou a geração de emprego, a queda do desemprego, o crescimento dos salários, o aumento do assalariamento e a formalização, o incremento da proteção durante a vida laboral e da seguridade social, bem como ampliou-se de maneira expressiva a oferta de educação de nível médio e superior. Esses fatores favoreceram transformações importantes na realidade do mundo do trabalho no Brasil. Vários elementos contribuíram para esse resultados, mas a base estruturante desse movimento foi uma dinâmica de crescimento econômico fortemente sustentada pelo mercado interno de consumo e uma boa participação no comércio mundial. Sem crescimento econômico quase nada disso seria possível.
A crise econômica mundial continuou travando o crescimento nos países desenvolvidos no ano de 2015. Os efeitos sobre o Brasil se agravam com os problemas internos como a desindustrialização, a queda dos investimentos, queda nos preços da commodities, a crise institucional, entre tantos outros problemas, repercutindo na progressiva redução do nível de atividade, resultando em uma queda da economia brasileira estimada em -4,0% no PIB. Diferentes estimativas indicam nova queda do PIB para 2016 (entre -2,0% e -3,0% ) para 2016.
Os resultados das pesquisas sobre mercado de trabalho para o ano de 2015 (IBGE e DIEESE/SEADE) revelam a dramaticidade do contexto. O desemprego aberto medido pela PNAD, do IBGE, cresceu 2,4 p. p., passando de 6,5% (2014) para 8,9% (2015), o que representou aumento de 39% do contingente de desempregados. A taxa de desemprego DIEESE/SEADE, que inclui o desemprego aberto, o desemprego oculto pelo trabalho precário e o desemprego pelo desalento saltou de 2014 para 2015, em São Paulo de 10,8% para 13,2%; em Salvador, de 17,4% para 18,7%; em Fortaleza de 7,6% para 8,6% e; em Porto Alegre, de 5,9% para 8,7%.
Desde 2014 a indústria de transformação e a construção civil vem puxando intensivamente o movimento de fechamento de postos de trabalho. Em 2015, diferentemente do ano anterior, os setores de serviços e comércio não compensaram a queda da indústria e construção, parando as contratações ou demitindo. Houve, portanto, recuo do número de trabalhadores ocupados e aumento do desemprego.
O desemprego gera uma dinâmica de desestruturação e as consequências aparecem na redução do número de pessoas com carteira de trabalho assinada, no aumento do assalariamento sem carteira e em mais ocupações como trabalho autônomo ou por conta própria sem contribuição previdenciária.
Muito grave é o efeito que o desemprego gera sobre os salários. O rendimento real dos ocupados voltou a cair em 2015 (-3,7%), depois de uma década de aumentos contínuos, segundo o IBGE. Com um menor contingente de pessoas ocupadas e menores salários ocorre a redução da massa salarial, na qual se observou retração de (-5,3%). Queda da massa salarial leva a queda do consumo e inadimplência no crédito, o que reduz ainda mais o nível de atividade econômica, vetores de um circulo recessivo.
Inicialmente o desemprego na indústria e construção atingiu predominantemente chefes de família. Agora, o desemprego no comércio e nos serviços alcança os mais jovens e as mulheres.
A desestruturação do orçamento muda a estratégia das famílias, exigindo que aqueles que não estavam no mercado de trabalho (jovens, mulheres, aposentados) comecem a procurar uma ocupação. Esse movimento aumenta conforme as verbas resultantes da rescisão dos contratos de trabalho e do seguro-desemprego acabam.
As famílias reduzem o consumo, suspendem investimentos na casa, deixam de pagar dívidas, perdem bens e patrimônio, abrem mão da formação escolar e profissional. Tudo se ajusta para menos e há muitas perdas.
O contexto para 2016 continua dramático. No cenário internacional o quadro se agrava: a economia européia derrapa sem parar; o crescimento dos Estados Unidos está em risco; o preço do petróleo trava setores industriais importantes e acirra conflitos; o preço das commodities (alimentos e minérios) estão e continuarão baixos; a China travou. No cenário interno, a desindustrialização avança, os investimento travados e em queda, a operação Lava-jato impõem gravíssimas e irreparáveis perdas econômicas, a crise política dificulta saídas para o crescimento, há enormes dificuldades fiscais do Estado, fatores, entre outros, que combinados ao cenário internacional, fazem com que o quadro para 2016 indique o agravamento de todos os movimentos observados em 2015.
A queda da dinâmica econômica, em um contexto em que fatores estruturais pressionam a inflação, repercute de maneira dramática sobre o emprego e as ocupações. O desemprego e a precarização estarão na agenda de 2016 e 2017. As  empresas promovem suas reestruturações, reduzindo o contingente ocupado, alterando a estrutura de gestão, investindo em tecnologia para economizar nos empregos. Muitas empresas simplesmente fecham, outras entram em estado falimentar.
            Não há mágica, a saída é o crescimento. Sem abrir mão do mercado externo -  mais restrito – aproveitando-se de um câmbio de equilíbrio industrial, a saída para o crescimento é investir na dinamização do mercado interno a partir do investimento em infraestrutura econômica, social e produtiva, no desenvolvimento produtivo, etc. Essa prioridade exigirá difíceis e necessárias escolhas de política econômica.
Se a prioridade é criar empregos com o crescimento econômico, enquanto isto não ocorre é fundamental atuar para protege-los e preservá-los. Além do direito ao emprego, sua proteção significa manter massa salarial e mercado interno de consumo. Colocar o emprego como prioridade obrigará relativizar a ordem de importância dos outros elementos da agenda do mundo do trabalho, o que não é nada simples.
Frente ao desemprego é também prioritário medidas mitigadoras desse problema, ajudando as pessoas suportarem o tempo e o custo da transição para o crescimento. Atuar para impedir que o desemprego aumente é uma ótimo ação neste momento. Por outro lado, com o desemprego tornando-se de longo prazo, como o que passa a acorrer, será necessário medidas que: (a) retenham por mais tempo os jovens nas escolas com algum tipo de renda; (b) mobilizar a ocupação provisória – pública e/ou comunitário – para serviços de interesse coletivo, que geram renda; (c) olhar para as condições e problemas das micro e pequenas empresas e apoiá-las na resistência; (d) incentivar e apoiar inciativas populares e solidárias de atividades econômicas na produção de bens e serviços; (e) mobilizar recursos e regras para renegociação de dívidas de empresas e famílias, em condições adequadas. Essas e outras medidas deverão ser implantadas para ajudar trabalhadores e empresas nessa dura transição.
 Somente a luta será capaz de mobilizar a energia para enfrentar e superar as dificuldades. Muitas contradições se interporão na trajetórias das lutas, em uma realidade cuja complexidade é crescente. Será necessário muita competência para formular e implantar propostas. Mas será mais necessário ainda, unidade política para reunir forças e enfrentar os desafios presentes e futuros. 



[1]  Diretor técnico do DIEESE, membro do CDES - Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

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