“Sempre quando
você tem uma crise econômica, o setor empresarial pressiona por mudança nas
regras do trabalho, propondo uma flexibilização", afirma pesquisador da
Unicamp
por Helder Lima, da RBA publicado 14/03/2016 14:24,
última modificação 14/03/2016
15:22
INSTITUTO
DEMOCRACIA / DIVULGAÇÃO
Krein:
propostas querem brecha para avançar ainda mais a flexibilização, que já é uma
realidade
São Paulo – Uma carta da
Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgada na quarta-feira (9) e um
debate realizado na manhã seguinte (10), com transmissão pela internet,
voltaram a defender uma reforma trabalhista no país, que seja favorável ao
aumento de competitividade das empresas. Sob a premissa de que a legislação
trabalhista apresenta uma excessiva rigidez para a contratação de mão de obra
e também “sinais de idade”, afinal a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
está prestes a completar 73 anos, a CNI saiu em defesa de três pontos para que
o país possa se modernizar: a valorização da negociação coletiva, de tal modo
que o acordo entre empresas e empregados possa prevalecer sobre a legislação;
a redução do intervalo intrajornada (leia-se horário de almoço); e formas
alternativas de ponto eletrônico, para que as pessoas viabilizem o trabalho em
casa, também conhecido por home office.
Entre os representantes
dos trabalhadores, a carta não foi bem recebida. “A proposta da CNI não se
limita a esses três pontos. O que eles estão fazendo é usar esses exemplos,
que têm aparência de absurdos, para justificar que a negociação (com os
trabalhadores) seja ampla, geral e irrestrita. Eles querem uma coisa maior
do que esses três pontos”, afirma o analista político Antonio Augusto de
Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar
(Diap).
“Sempre quando você tem
uma crise econômica, e com isso cai a rentabilidade das empresas, o setor
empresarial pressiona por uma mudança nas regras do trabalho, propondo uma
flexibilização. Aproveitam o contexto de dificuldades para apresentar uma tese
que já é recorrente nos setores empresariais”, avalia o professor da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos
Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) José Dari
Krein.
A carta da CNI, ao sabor
de uma reportagem, traz ainda exemplos dos “prejuízos” que a falta de
flexibilidade causa às empresas, seja impedindo que pessoas possam trabalhar
em casa para organizarem a vida da forma como desejam, ou, reduzir o horário
de almoço para sair mais cedo e fugir do pico do trânsito. Todo o raciocínio
da carta se dá no sentido de defender a flexibilização das relações de
trabalho, o que em última instância vai recair no combatido projeto de
terceirização, o PLS 30/2015, que deve ser apreciado pelo Senado no próximo
mês.
“As três propostas, no
fundo, abrem uma brecha para avançar ainda mais a flexibilização, que já é uma
realidade. Há uma pressão nos últimos anos no sentido de avançar com a
flexibilização”, diz o professor Krein, defendendo que as relações de trabalho
não se ressentem dessa possibilidade como querem os representantes dos
empresários. “A terceirização, que é uma das maiores pressões no sentido da
flexibilidade, não acrescenta nenhum direito adicional para quem é
terceirizado, porque todo o terceirizado é regido pelas mesmas leis, como
direito a salário mínimo, jornada de 44 horas semanais, seguro-maternidade,
mas o que se quer fazer é permitir que as empresas tenham liberdade de
terceirizar todos”, afirmou.
Além disso, Krein vê no
excesso de desregulamentação pretendido pelos empresários uma ameaça aos
direitos trabalhistas. Ele lembra o caso dos bancários, que conquistaram
jornada de seis horas e, com a terceirização isso pode cair por terra. “E a
empresa principal tem o controle da jornada de trabalho sobre a terceirizada,
que não apita nada. Quem manda é a empresa principal. O que no fundo se busca
é ampliar ainda mais a flexibilização e aí quando falam em garantia jurídica,
é exatamente garantia para a flexibilização acontecer de forma indiscriminada,
que não possa ser questionada pelo Estado. Aí é o mundo da precarização, e do
cão. Toda legislação é uma forma de proteção, é isso o que tem de ser
considerado”, defende.
O pesquisador diz que a
legislação não deve apenas garantir uma economia com empresas competitivas.
“Você tem de construir uma nação, um país. Esse processo de terceirização tem
avançado e deixado os trabalhadores em uma situação de maior insegurança e
precariedade, apesar dos avanços do mercado de trabalho até 2014 (com aumento
dos postos formais e de renda). Agora não, agora você tem uma reversão, o
desemprego, a queda dos salários”, diz, destacando que os trabalhadores estão
em situação mais vulnerável.
Prejuízos da
terceirização
De fato, em situação de
terceirização, os trabalhadores perdem direitos. Uma funcionária terceirizada
da Vivo, que prefere não se identificar, falou à reportagem da RBA
sobre algumas das desvantagens da adoção desse sistema. A Vivo é uma das
quatro maiores empresas de telecomunicações no país, com concentração de cerca
de 20% do mercado nacional e lucro anual perto de R$ 5
bilhões.
A funcionária destaca que
não há estabilidade para o trabalhador porque a Vivo tem contratos que duram
de três a cinco anos. “Quando a Vivo não renova, todo mundo pode perder o
emprego”, afirmou. Mas ela também diz que em geral o pessoal de área técnica é
mantido pela nova contratada, enquanto o pessoal administrativo é dispensado.
“É um pouco mais de 50% dos funcionários que ficam para a nova contratação”,
afirma. Nesse processo, é feita uma triagem dos funcionários e verificado o
histórico de cada um.
Outro problema é que a
contratante não dá suporte técnico de qualidade para a contratada, além de
contratar por preços muito baixos. “O material de trabalho é muito ruim e o
processo provoca várias repetições, porque o serviço não foi bem feito.” Ela
também diz que os gestores, funcionários diretos da empresa, atuam apenas
cobrando resultados: “Eles só servem para cobrar e às vezes nem conhecem a
parte técnica do serviço”, afirma, criticando o tipo de gestão “voltada a
resultados, em que eles ganham muito dinheiro sem fazer
nada”.
Outro aspecto apontado
pela funcionária é que a rotatividade na terceirizada é grande e mesmo os
trabalhadores que têm maior tempo de atuação no setor não conseguem entrar
para a empresa contratante. “Um técnico nunca vai ser funcionário da Vivo,
apesar de ser o cara que entende do serviço”. Ela lembra também que enquanto o
vale-refeição de um funcionário da Vivo é de R$ 35, o do terceirizado é de R$
20. Além disso, o convênio médico do terceirizado também é mais simples, com
cobertura menor.
Frentes
empresariais
Segundo o analista do
Diap, o setor empresarial vem atuando em três frentes para promover mudanças
na legislação trabalhista. Uma dessas frentes é o Tribunal Superior do
Trabalho (TST), cujo novo presidente, o ministro Ives Gandra da Silva Martins
Filho, é favorável às teses empresariais. “Querem arrancar isso do TST, cujo
presidente tem uma visão próxima daquilo que o mercado defende, para que o
TST, via decisões internas, formule súmulas vinculantes”, afirma
Queiroz.
“Estão também se valendo
de seus aliados no governo, como o Ministério da Agricultura, com Kátia Abreu,
e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, com Armando
Monteiro, para que sempre que cobrado pelo desempenho de seu setor aleguem
dificuldades com algumas orientações normativas do Ministério do Trabalho,
portarias, que estabelecem limites com base na segurança e medicina do
trabalho”, diz o representante do Diap. Também no Executivo, os empresários
exercem pressão diretamente sobre o Ministério do Trabalho e Previdência
Social, por mudanças em orientações normativas e
portarias.
Outra frente ainda,
segundo o Diap, está no Congresso Nacional, onde diferentes projetos de lei
buscam flexibilizar a CLT “de modo específico, ou genérico, digamos assim”,
comenta. “A proposta que eles apresentam agora, com esses três pontos, é
apenas ilustrando o tipo de absurdo entre aspas que existe na legislação; se
houver um regramento específico nesses pontos, que se faça algo próximo
daquilo que foi feito em relação ao PPE (Plano de Proteção ao Emprego, com
redução de jornada e salário), a partir de uma ação tripartite entre
governo, empresas e trabalhadores”, defende. “O setor empresarial quer
liberdade de negociação e de preferência de forma direta com o empregado, sem
a entidade sindical.”
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Publicado
em Rede Brasil
Atual -
http://www.redebrasilatual.com.br/economia/2016/03/em-ataque-a-legislacao-trabalhista-cni-defende-prevalencia-de-negociacao-coletiva-3548.html
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