sexta-feira, 29 de junho de 2012
quinta-feira, 28 de junho de 2012
Municípios: capacidade financeira e Orçamento Participativo
As importantes mudanças político-eleitorais que o Brasil experimentou na última década não foram acompanhadas de uma ampliação expressiva da experiência do Orçamento Participativo. Ainda que o modelo inicialmente adotado em Porto Alegre tenha se espalhado para outros municípios, percebe-se uma dificuldade em ampliar a sua utilização pelo País afora.
Data: 28/06/2012
O sistema político-eleitoral existente em nosso
País prevê a realização de eleições a cada 2 anos. Assim, em tese,
haveria espaços e momentos específicos para o debate das questões
nacional e estadual, separadas da discussão relativa ao âmbito
municipal. Sem pretender aqui avaliar os aspectos positivos e negativos
desse modelo, o fato é que, apesar de tudo, as eleições municipais ainda
tendem a ser “nacionalizadas” ou “estadualizadas” em sua dinâmica
política, com todo tipo de conseqüências para a forma do debate travado.
Com isso, acaba-se deixando muitas vezes de lado a discussão em torno
da gestão pública local, da forma como a cidade vem sendo administrada
por seu prefeito e do comportamento dos representantes da população no
interior do legislativo municipal. Boa parte da polarização eleitoral
tende a ocorrer em torno de quem é candidato alinhado ou não com o
governo federal, de quem está sendo apoiado ou não pelo governador do
Estado.
Para além do balanço da gestão que se encerra e das perspectivas que podem se abrir para eventual alternativa de bloco de poder no plano local, um aspecto essencial refere-se à capacidade de se promover a criação (ou apenas gerenciar) um volume de recursos compatível com as necessidades existentes quanto às políticas públicas no município. A absoluta maioria dos mais de 5.560 prefeitos, a serem empossados em janeiro de 2013, terão pouca ou quase nenhuma capacidade de resolver o generalizado histórico de graves problemas das respectivas finanças municipais. Os quatro anos de gestão que se abrirão à sua frente representam muito pouco tempo para colocar a gestão econômica em ordem, de forma a abrir espaço para novas perspectivas orçamentárias, voltadas a novos projetos considerados relevantes pela administração pública.
De forma geral, os recursos de receita das cidades já estão completamente comprometidos, desde o início do exercício, com a manutenção de estruturas existentes e com a oferta de serviços básicos a seus cidadãos. É o caso do pagamento de pessoal, manutenção da máquina administrativa da prefeitura, serviços de saúde, serviços de educação, coleta de lixo e limpeza urbana, despesas para assegurar o funcionamento da Câmara Municipal, entre outros. No entanto, é difícil conseguir que um mandato seja destinado apenas a solucionar esse tipo de constrangimento orçamentário, saneando a situação econômico-financeira e abrindo a possibilidade de uma gestão realizadora e de visibilidade para o futuro. Dessa forma, essa situação tende a se tornar crônica, repetindo-se e agravando-se a cada nova eleição.
Responsabilidade fiscal e capacidade econômico-financeira
A capacidade econômico-financeira dos municípios vê-se ainda agravada pelas restrições impostas pela Lei Complementar n° 101/2000, a famosa Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). É inegável a necessidade de estabelecer regras para um maior rigor na gestão financeira dos entes da federação - inclusive, penalizando os maus gestores públicos. No entanto, o tratamento oferecido pela LRF e por sua regulamentação posterior acaba operando como limitador à capacidade de investimento dos municípios, em razão do seu elevado endividamento e da dependência de repasses orçamentários da União. Como parcela expressiva das dívidas públicas municipais sofreu reajustes com base em indicadores financeiros perversos, sua capacidade de honrar tais compromissos no curto prazo não se viabiliza. Inclusive porque até mesmo as receitas do município tendem a se expandir a um ritmo inferior ao crescimento de suas dívidas, a maior parte delas contraídas junto à própria União.
A configuração fiscal prevista na Constituição de 1988 delegou ao ente municipal uma reduzida capacidade de arrecadação de tributos. A ele cabe o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), o Imposto sobre Serviços (ISS), o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (IBTI) e taxas eventuais. Como o potencial arrecadador de tais fontes é bastante limitado, as cidades acabam por depender essencialmente de transferências da União e dos Estados. A receita própria é bastante reduzida quando comparada aos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) ou dos repasses dirigidos, como os de despesas vinculadas à saúde e à educação.
A manutenção do equilíbrio do pacto federativo é uma tarefa difícil e de extrema sensibilidade político-administrativa. Assim, deve ser objeto de controle a conhecida tendência de nossa sociedade em aceitar a ampliação de forma desordenada dos gastos públicos e não se preocupar tanto com a qualidade dos serviços oferecidos. No entanto, é preciso reconhecer a necessidade de um maior volume de recursos orçamentários para viabilizar justamente as atribuições que competem ao município, nessa arquitetura de repartição das responsabilidades federativas.
Orçamento Participativo e gestão democrática
Outro elemento importante no debate sobre eleições e política municipal refere-se à participação da população nas decisões do poder local e as alternativas de aprofundamento da gestão democrática das cidades. As principais diretrizes a respeito da vida citadina tendem a ser consolidadas quando da elaboração e votação do orçamento municipal, processo que se realiza de forma sistemática a cada ano. Daí é que, ao longo do processo de democratização em meados da década de 1980, tenham surgido com grande força as idéias de ampliar a capacidade de influência da população na definição de tais prioridades. Esse movimento se concretizava na proposta de “orçamento participativo”, em que a sociedade civil organizada atuava e operava como elemento auxiliar ao Poder Executivo e ao órgão legislativo, a Câmara Municipal.
No entanto, as importantes mudanças político-eleitorais que o Brasil experimentou ao longo da última década não foram acompanhadas de uma ampliação expressiva da experiência do orçamento participativo. Ainda que o modelo inicialmente adotado em Porto Alegre tenha se espalhado para outros municípios, percebe-se uma dificuldade em ampliar a sua utilização pelo País afora. Pouco mais de 1% das cidades brasileiras adotam algum mecanismo semelhante, como pode ser percebido pelas informações oferecidas pela Rede Brasileira do Orçamento Participativo. De um lado, contribui para tal o conservadorismo característico da forma de se fazer política em nossas terras, onde as elites sempre relutaram historicamente em aceitar a ampliação da participação popular direta. Mas por outro lado, também, repete-se o antigo fenômeno de acomodação das novas forças políticas que chegam ao poder e o abandono de parcela significativa das antigas bandeiras de transformação social e institucional.
Ampliar a participação popular
É importante frisar que existe um grande espaço aberto para iniciativas que visem ao aprofundamento da gestão democrática das cidades. Por um lado, medidas de estímulo à participação dos cidadãos em importantes espaços da vida municipal, como saúde, educação, cultura, esportes e outros. A proximidade do indivíduo com esse tipo de serviço público permite uma maior participação nas instituições responsáveis pelos mesmos. De outro lado, para as cidades de grande porte faz-se necessário também uma aproximação da administração pública em direção aos habitantes. É o caso da constituição de mecanismos de redução da distância junto às Administrações Regionais ou Subprefeituras, com a possibilidade de participação direta da população na eleição de seus representantes.
Na verdade, trata-se da necessidade de criação de uma alternativa ao movimento de privatização das cidades. Ao longo dos últimos anos, inclusive com o apoio ideológico da ideologia neoliberal, o espaço público passou a sofrer um processo crescente de influência da lógica privatista em sua gestão, com a transferência de áreas e atividades para o setor privado. Em função disso, observou-se uma forte tendência à descaracterização de manifestações genuínas e locais, em favor de ondas de pasteurização e banalização comandadas pela lógica universalizante do capital.
Portanto, é sempre bom lembrar a origem histórica da palavra cidade – “polis”, em grego e depois em latim. Assim, o espaço da cidadania, da “política” em seu sentido pleno era o espaço da própria vida urbana. Ou seja, trata-se de uma esfera de vivência coletiva e pública, por sua própria natureza. O momento eleitoral é oportuno para que sejam recolocados esses valores intrínsecos à questão urbana e da cidadania, que foram aos poucos sendo esquecidos e deixados à margem do debate político.
Para além do balanço da gestão que se encerra e das perspectivas que podem se abrir para eventual alternativa de bloco de poder no plano local, um aspecto essencial refere-se à capacidade de se promover a criação (ou apenas gerenciar) um volume de recursos compatível com as necessidades existentes quanto às políticas públicas no município. A absoluta maioria dos mais de 5.560 prefeitos, a serem empossados em janeiro de 2013, terão pouca ou quase nenhuma capacidade de resolver o generalizado histórico de graves problemas das respectivas finanças municipais. Os quatro anos de gestão que se abrirão à sua frente representam muito pouco tempo para colocar a gestão econômica em ordem, de forma a abrir espaço para novas perspectivas orçamentárias, voltadas a novos projetos considerados relevantes pela administração pública.
De forma geral, os recursos de receita das cidades já estão completamente comprometidos, desde o início do exercício, com a manutenção de estruturas existentes e com a oferta de serviços básicos a seus cidadãos. É o caso do pagamento de pessoal, manutenção da máquina administrativa da prefeitura, serviços de saúde, serviços de educação, coleta de lixo e limpeza urbana, despesas para assegurar o funcionamento da Câmara Municipal, entre outros. No entanto, é difícil conseguir que um mandato seja destinado apenas a solucionar esse tipo de constrangimento orçamentário, saneando a situação econômico-financeira e abrindo a possibilidade de uma gestão realizadora e de visibilidade para o futuro. Dessa forma, essa situação tende a se tornar crônica, repetindo-se e agravando-se a cada nova eleição.
Responsabilidade fiscal e capacidade econômico-financeira
A capacidade econômico-financeira dos municípios vê-se ainda agravada pelas restrições impostas pela Lei Complementar n° 101/2000, a famosa Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). É inegável a necessidade de estabelecer regras para um maior rigor na gestão financeira dos entes da federação - inclusive, penalizando os maus gestores públicos. No entanto, o tratamento oferecido pela LRF e por sua regulamentação posterior acaba operando como limitador à capacidade de investimento dos municípios, em razão do seu elevado endividamento e da dependência de repasses orçamentários da União. Como parcela expressiva das dívidas públicas municipais sofreu reajustes com base em indicadores financeiros perversos, sua capacidade de honrar tais compromissos no curto prazo não se viabiliza. Inclusive porque até mesmo as receitas do município tendem a se expandir a um ritmo inferior ao crescimento de suas dívidas, a maior parte delas contraídas junto à própria União.
A configuração fiscal prevista na Constituição de 1988 delegou ao ente municipal uma reduzida capacidade de arrecadação de tributos. A ele cabe o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), o Imposto sobre Serviços (ISS), o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (IBTI) e taxas eventuais. Como o potencial arrecadador de tais fontes é bastante limitado, as cidades acabam por depender essencialmente de transferências da União e dos Estados. A receita própria é bastante reduzida quando comparada aos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) ou dos repasses dirigidos, como os de despesas vinculadas à saúde e à educação.
A manutenção do equilíbrio do pacto federativo é uma tarefa difícil e de extrema sensibilidade político-administrativa. Assim, deve ser objeto de controle a conhecida tendência de nossa sociedade em aceitar a ampliação de forma desordenada dos gastos públicos e não se preocupar tanto com a qualidade dos serviços oferecidos. No entanto, é preciso reconhecer a necessidade de um maior volume de recursos orçamentários para viabilizar justamente as atribuições que competem ao município, nessa arquitetura de repartição das responsabilidades federativas.
Orçamento Participativo e gestão democrática
Outro elemento importante no debate sobre eleições e política municipal refere-se à participação da população nas decisões do poder local e as alternativas de aprofundamento da gestão democrática das cidades. As principais diretrizes a respeito da vida citadina tendem a ser consolidadas quando da elaboração e votação do orçamento municipal, processo que se realiza de forma sistemática a cada ano. Daí é que, ao longo do processo de democratização em meados da década de 1980, tenham surgido com grande força as idéias de ampliar a capacidade de influência da população na definição de tais prioridades. Esse movimento se concretizava na proposta de “orçamento participativo”, em que a sociedade civil organizada atuava e operava como elemento auxiliar ao Poder Executivo e ao órgão legislativo, a Câmara Municipal.
No entanto, as importantes mudanças político-eleitorais que o Brasil experimentou ao longo da última década não foram acompanhadas de uma ampliação expressiva da experiência do orçamento participativo. Ainda que o modelo inicialmente adotado em Porto Alegre tenha se espalhado para outros municípios, percebe-se uma dificuldade em ampliar a sua utilização pelo País afora. Pouco mais de 1% das cidades brasileiras adotam algum mecanismo semelhante, como pode ser percebido pelas informações oferecidas pela Rede Brasileira do Orçamento Participativo. De um lado, contribui para tal o conservadorismo característico da forma de se fazer política em nossas terras, onde as elites sempre relutaram historicamente em aceitar a ampliação da participação popular direta. Mas por outro lado, também, repete-se o antigo fenômeno de acomodação das novas forças políticas que chegam ao poder e o abandono de parcela significativa das antigas bandeiras de transformação social e institucional.
Ampliar a participação popular
É importante frisar que existe um grande espaço aberto para iniciativas que visem ao aprofundamento da gestão democrática das cidades. Por um lado, medidas de estímulo à participação dos cidadãos em importantes espaços da vida municipal, como saúde, educação, cultura, esportes e outros. A proximidade do indivíduo com esse tipo de serviço público permite uma maior participação nas instituições responsáveis pelos mesmos. De outro lado, para as cidades de grande porte faz-se necessário também uma aproximação da administração pública em direção aos habitantes. É o caso da constituição de mecanismos de redução da distância junto às Administrações Regionais ou Subprefeituras, com a possibilidade de participação direta da população na eleição de seus representantes.
Na verdade, trata-se da necessidade de criação de uma alternativa ao movimento de privatização das cidades. Ao longo dos últimos anos, inclusive com o apoio ideológico da ideologia neoliberal, o espaço público passou a sofrer um processo crescente de influência da lógica privatista em sua gestão, com a transferência de áreas e atividades para o setor privado. Em função disso, observou-se uma forte tendência à descaracterização de manifestações genuínas e locais, em favor de ondas de pasteurização e banalização comandadas pela lógica universalizante do capital.
Portanto, é sempre bom lembrar a origem histórica da palavra cidade – “polis”, em grego e depois em latim. Assim, o espaço da cidadania, da “política” em seu sentido pleno era o espaço da própria vida urbana. Ou seja, trata-se de uma esfera de vivência coletiva e pública, por sua própria natureza. O momento eleitoral é oportuno para que sejam recolocados esses valores intrínsecos à questão urbana e da cidadania, que foram aos poucos sendo esquecidos e deixados à margem do debate político.
quarta-feira, 27 de junho de 2012
A mão invisível do mercado
Escrito por Wladimir Pomar Quarta, 27 de Junho de 2012 Diante da questão sobre os motivos pelos quais as taxas de investimento indispensáveis para o desenvolvimento econômico e social brasileiros não crescem, tenho procurado resposta em diversos economistas que trabalham em instituições governamentais. Eles reconhecem que, nos últimos 25 anos, essas taxas se mantiveram abaixo de 20% do PIB e suas teses principais sobre esse fato histórico talvez possam ser resumidas da seguinte forma: 1) Os setores que concentram projetos de longo prazo de construção e de valor elevado, como as indústrias de transformação e infraestrutura, não têm encontrado a estabilidade econômica e o arcabouço institucional necessários para realizar seus investimentos; 2) O ambiente inflacionário dos anos 80 e parte dos anos 90, em especial, foi um dos fatores que mais dificultou o planejamento empresarial de longo prazo e os cálculos prospectivos de retorno dos investimentos; 3) A presença de juros elevados foi outro limitador das inversões, principalmente nas indústrias de transformação, levando as empresas a se concentrarem em projetos cuja atratividade superasse a combinação de liquidez, segurança e a devida rentabilidade do overnight; 4) Foi esse cenário de instabilidade que levou as empresas a preferirem investir em modernização das plantas existentes ao invés de fazerem inversões em novas plantas produtivas; 5) As restrições externas em escassez de divisas também foram fatores críticos, em especial porque resultaram em rígidas políticas de ajuste macroeconômico, acompanhadas por restrição ao crédito e redução da capacidade de investimento do Estado, redução que foi acentuada pelo fato de o Brasil haver aceito as imposições do FMI, em 1982 e 1998, de restrições à inversão do setor público; 6) A solução para essas reduções e restrições na capacidade de investimento do setor público consistiu em privatizar empresas estatais e fazer com que o setor privado assumisse a liderança nos investimentos em infraestrutura, embora o arcabouço institucional continuasse entravando esses investimentos. Em geral, tudo parece ser culpa de Adam Smith e da mão invisível do mercado. Ela teria produzido a instabilidade econômica, com ambiente inflacionário, que obrigou a adoção de juros altos. A inflação e os juros, por sua vez, teriam desestimulado os planejamentos de longo prazo e levado os empresários a preferirem especular no overnight. Isto teria criado uma situação que obrigou o Estado a aceitar as imposições do FMI, reduzindo os investimentos públicos e privatizando as estatais para, supostamente, aumentar sua capacidade de investimento. Dessa forma, culpando Adam Smith e mantendo acesa a chama do neoliberalismo de Hayek e Friedman, nossos economistas passam a borracha sobre a responsabilidade das políticas governamentais dos anos 80 e 90, e também sobre a história, e não ajudam o governo, do qual fazem parte, a elevar as taxas de investimento. Simplesmente desconsideram o grau de concentração e centralização da economia brasileira e o papel que isso desempenha no mercado, seja pressionando para a manutenção da perversa combinação de juros altos e preços altos, que permite às corporações empresariais, principalmente estrangeiras, altas taxas de lucro, seja impedindo, por meios nem sempre legais e econômicos, que médias e pequenas empresas, mesmo com grande capacidade de inovação, participem no mercado e compitam com elas. Historicamente, as instabilidades econômicas e o arcabouço institucional que permitiu o distorcido processo de concentração e centralização da economia brasileira se acentuaram após a abertura indiscriminada da economia às multinacionais, durante o governo JK, nos anos 1950, e ganharam vulto durante a ditadura militar, entre os anos 1960 e 1980, e durante os governos neoliberais dos anos 1990. Por outro lado, enquanto a ditadura militar criou novas empresas estatais, mesmo que apenas para permitir ao Estado construir a infraestrutura para a implantação de novas plantas fabris das multinacionais, os governos neoliberais, ao invés de saneá-las, reformá-las e utilizá-las como contraponto àquela concentração e centralização corporativa, sanearam-nas para serem vendidas a preços irrisórios, principalmente para as multinacionais, num processo que chegou ao limite da irresponsabilidade, como chegou a admitir um ministro de Estado. Desse modo, as privatizações não foram uma imposição da necessidade de recuperar a capacidade de investimento do Estado, mesmo porque os passivos continuaram pesando como chumbo ao erário público. Foram uma decisão política, justamente para reduzir ainda mais a capacidade de investimento do Estado, o mesmo tipo de decisão que levou ao desmantelamento do aparato estatal de planejamento e de elaboração de projetos, à desregulamentação indiscriminada do arcabouço institucional e do mercado e à transformação do país num paraíso de altos juros para a jogatina dos investimentos de curto prazo. Decisões que levaram a um processo de desindustrialização até então desconhecido pela economia brasileira, e a um aumento incomensurável da pobreza e da miséria e, portanto, à redução drástica do mercado interno. Além de parecer nada disso enxergarem, nossos economistas não explicam por que as taxas de investimento não cresceram mesmo após o governo Lula haver reduzido substancialmente a instabilidade econômica, mantido a inflação sob controle, melhorado o arcabouço institucional, ampliado o mercado interno através do consumo, recuperado em parte o aparato estatal de planejamento e elaboração de projetos, iniciado a redução dos juros, e haver aproveitado uma situação internacional que permitiu ao Brasil não só obter superávits comerciais vultosos, como enfrentar a crise de 2008 com razoável sucesso. Em outras palavras, os entraves ao crescimento das taxas de investimento talvez estejam em fatores que nossos economistas não consideram. Por exemplo, que papel desempenha um superávit primário de mais de 3% do PIB para deixar o sistema financeiro tranquilo, quando poderíamos garantir melhor o pagamento das dívidas se esses recursos fossem direcionados para investimentos produtivos? Por que o maior valor emprestado pelos bancos estatais se direciona para empresas capitalizadas, inclusive multinacionais, ao invés de ser orientado para empresas médias e pequenas com grande capacidade de inovação, mas pouco capitalizadas? Por que os órgãos estatais relacionados com o desenvolvimento econômico não formam grupos de trabalho para a elaboração de projetos de empresas médias e pequenas, que poderiam contribuir para adensar as cadeias produtivas mais importantes, mas não possuem os recursos necessários para isso? Dizendo de outro modo, talvez os economistas das instituições governamentais precisem descer à terra e começar a descobrir esses e outros problemas macro e microeconômicos que realmente empacam o crescimento das taxas de investimento. Wladimir Pomar é escritor e analista político.
Parlasul: ruralistas esvaziam reunião e impedem repúdio contra golpe no Paraguai
Uma manobra da oposição impediu que a
Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul aprovasse uma
manifestação de repúdio à forma com que o Congresso paraguaio destituiu
do cargo Fernando Lugo. "Interesses dos brasileiros que vivem naquele
país, especialmente os dos brasiguaios, devem estar acima de quaisquer
outros", disse ruralista. “Imaginem se os parlamentares paraguaios nos
convencerem de que o processo foi legítimo?”, emendou senador Ana Amélia
Lemos (PP-RS)
Najla Passos
Data: 26/06/2012
Brasília - Uma manobra da oposição impediu
que a Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul (Parlasul)
aprovasse, nesta terça (26), em reunião ordinária, uma manifestação de
repúdio à forma com que o congresso paraguaio destituiu do cargo o agora
ex-presidente Fernando Lugo. O deputado José Stédile (PSB-RS), autor da
proposta, considerou frustrante o desfecho da reunião, esvaziada após
os ruralistas perceberem que não teriam maioria para barrar a proposta.
Embora vários parlamentares tenham passado pela reunião, na hora da votação, encontravam presentes apenas 11 membros. O quórum necessário era de 14. “É frustrante porque o parlamento brasileiro perdeu a oportunidade de condenar o que ocorreu no Paraguai, por falta de quórum, já que a sessão foi esvaziada propositadamente, para que a representação brasileira não conseguisse manifestar sua posição. Isso tudo é lamentável para a consolidação da democracia na América Latina”, afirmou.
De acordo com ele, o Paraguai não é mais uma democracia e, portanto, não deve participar dos organismos do Mercosul, incluindo o parlamento. “O Paraguai possui três grandes partidos fechados, que dominam quase 100% do parlamento e fazem o que querem, como destituir um presidente sem lhe assegurar o direito de se defender. As eleições para o parlamento são ilícitas, porque o povo não vota diretamente nos seus representantes, escolhidos por meio de listas partidárias”, acrescentou.
No início da reunião, o deputado apresentou proposta de declaração de repúdio, sugerindo, inclusive, a suspensão da participação da delegação de parlamentares paraguaios na próxima reunião do Parlasul, prevista para ocorrer em 2/7, em Montevidéu, no Uruguai. A medida, porém, foi condenada pela maioria dos colegas, que defenderam o direito à voz da representação daquele país que, ao contrário da brasileira, ela é eleita por voto direto da população.
Por sugestão do deputado Nilton Lima (PT-SP) e do presidente da representação brasileira, senador Roberto Requião (PMDB-PR), Stédile excluiu o trecho que falava da suspensão. Mas manteve o repúdio. Ainda assim, parlamentares da oposição se recusaram a apoiar o documento. A principal alegação foi a defesa dos “brasiguaios”, os latifundiários brasileiros que se instalaram naquele país e condenavam o governo Lugo por não agir de forma enérgica com os sem-terra paraguaios, que reivindicam a reforma agrária.
O deputado Júlio Campos (DEM-MT) ironizou o entendimento de que o que ocorreu no Paraguai foi, de fato, um golpe de estado. “Não sei se mudou a forma de se dar golpes de estado no mundo, mas este pseudo-golpe foi referendado pelo Supremo Tribunal Federal do Paraguai. Além disso, não vi nem uma manifestação do povo morrendo de amores pelo senhor Fernando Lugo”, avaliou.
Segundo o parlamentar, os interesses dos brasileiros que vivem naquele país, especialmente os dos brasiguaios, devem estar acima de quaisquer outros. “Somos de Mato Grosso, estado que faz fronteira com o Paraguai, e já recebemos inúmeros pedidos para que acalmássemos a presidente Dilma, para que ela não entre com retaliações. Os interesses brasileiros estão acima dos esquerdismos”, acrescentou.
A senadora Ana Amélia (PP-RS) pediu "prudência" na tomada de decisão. “Imaginem se, na reunião, os parlamentares paraguaios nos convencerem de que o processo foi legítimo?”, alegou. Ela relatou que também recebeu ligações de brasiguaios preocupados com possíveis retaliações ao país que possam prejudicá-los. “As condenações ou restrições que os governos possam fazer, como está fazendo Chávez [Hugo Chaves, presidente da Venezuela] com o petróleo, também prejudicarão brasileiros. O Paraguai já é o quarto maior produtor de soja, muito em função da participação dos brasileiros”.
Requião contra-argumentou que 80% da soja paraguaia é produzida por cerca de 600 brasiguaios. Mas observou que, na maioria dos casos, nem deveriam levar este nome. “São pessoas que vivem no Paraguai, frequentam as escolas de lá e cantam o hino nacional paraguaio”, apontou.
O presidente da representação brasileira manteve firme sua posição de repúdio ao golpe, alegando que o Paraguai já vivia, há muito tempo, uma instabilidade grande causada pela falta de apoio do legislativo às medidas tomadas pelo executivo. “Ficamos sem embaixador paraguaio no Brasil por três anos. O atual foi nomeado há 30 dias. Itaipu também ficou sem diretor porque o Congresso não homologava as indicações do presidente”, acrescentou.
Embora vários parlamentares tenham passado pela reunião, na hora da votação, encontravam presentes apenas 11 membros. O quórum necessário era de 14. “É frustrante porque o parlamento brasileiro perdeu a oportunidade de condenar o que ocorreu no Paraguai, por falta de quórum, já que a sessão foi esvaziada propositadamente, para que a representação brasileira não conseguisse manifestar sua posição. Isso tudo é lamentável para a consolidação da democracia na América Latina”, afirmou.
De acordo com ele, o Paraguai não é mais uma democracia e, portanto, não deve participar dos organismos do Mercosul, incluindo o parlamento. “O Paraguai possui três grandes partidos fechados, que dominam quase 100% do parlamento e fazem o que querem, como destituir um presidente sem lhe assegurar o direito de se defender. As eleições para o parlamento são ilícitas, porque o povo não vota diretamente nos seus representantes, escolhidos por meio de listas partidárias”, acrescentou.
No início da reunião, o deputado apresentou proposta de declaração de repúdio, sugerindo, inclusive, a suspensão da participação da delegação de parlamentares paraguaios na próxima reunião do Parlasul, prevista para ocorrer em 2/7, em Montevidéu, no Uruguai. A medida, porém, foi condenada pela maioria dos colegas, que defenderam o direito à voz da representação daquele país que, ao contrário da brasileira, ela é eleita por voto direto da população.
Por sugestão do deputado Nilton Lima (PT-SP) e do presidente da representação brasileira, senador Roberto Requião (PMDB-PR), Stédile excluiu o trecho que falava da suspensão. Mas manteve o repúdio. Ainda assim, parlamentares da oposição se recusaram a apoiar o documento. A principal alegação foi a defesa dos “brasiguaios”, os latifundiários brasileiros que se instalaram naquele país e condenavam o governo Lugo por não agir de forma enérgica com os sem-terra paraguaios, que reivindicam a reforma agrária.
O deputado Júlio Campos (DEM-MT) ironizou o entendimento de que o que ocorreu no Paraguai foi, de fato, um golpe de estado. “Não sei se mudou a forma de se dar golpes de estado no mundo, mas este pseudo-golpe foi referendado pelo Supremo Tribunal Federal do Paraguai. Além disso, não vi nem uma manifestação do povo morrendo de amores pelo senhor Fernando Lugo”, avaliou.
Segundo o parlamentar, os interesses dos brasileiros que vivem naquele país, especialmente os dos brasiguaios, devem estar acima de quaisquer outros. “Somos de Mato Grosso, estado que faz fronteira com o Paraguai, e já recebemos inúmeros pedidos para que acalmássemos a presidente Dilma, para que ela não entre com retaliações. Os interesses brasileiros estão acima dos esquerdismos”, acrescentou.
A senadora Ana Amélia (PP-RS) pediu "prudência" na tomada de decisão. “Imaginem se, na reunião, os parlamentares paraguaios nos convencerem de que o processo foi legítimo?”, alegou. Ela relatou que também recebeu ligações de brasiguaios preocupados com possíveis retaliações ao país que possam prejudicá-los. “As condenações ou restrições que os governos possam fazer, como está fazendo Chávez [Hugo Chaves, presidente da Venezuela] com o petróleo, também prejudicarão brasileiros. O Paraguai já é o quarto maior produtor de soja, muito em função da participação dos brasileiros”.
Requião contra-argumentou que 80% da soja paraguaia é produzida por cerca de 600 brasiguaios. Mas observou que, na maioria dos casos, nem deveriam levar este nome. “São pessoas que vivem no Paraguai, frequentam as escolas de lá e cantam o hino nacional paraguaio”, apontou.
O presidente da representação brasileira manteve firme sua posição de repúdio ao golpe, alegando que o Paraguai já vivia, há muito tempo, uma instabilidade grande causada pela falta de apoio do legislativo às medidas tomadas pelo executivo. “Ficamos sem embaixador paraguaio no Brasil por três anos. O atual foi nomeado há 30 dias. Itaipu também ficou sem diretor porque o Congresso não homologava as indicações do presidente”, acrescentou.
A Terceira Revolução Industrial
Entrevista com Jeremy Rifkin
O economista americano Jeremy Rifkin é um dos pensadores
mais influentes da atualidade. Professor da escola de negócios Wharton, da
Universidade da Pensilvânia, Rifkin é conselheiro da União Europeia e interlocutor
frequente da chanceler alemã Angela Merkel.
Há alguns anos, Rifkin se propôs a demonstrar que era viável colocar as diversas fontes de energia renovável no centro da matriz energética mundial. O assunto evoluiu e foi transformado em livro, A Terceira Revolução Industrial [Makron Books], que chegou às livrarias brasileiras neste mês.
No livro, Rifkin prega que todos os prédios - residenciais ou comerciais - podem ser transformados em pequenas usinas de energia. “Se o Brasil adotar esse modelo, pode ser a Arábia Saudita das energias renováveis e um dos líderes do século XXI”, diz Rifkin.
A entrevista é de Roberta Paduan e Daniel Barros e está publicada na Revista Exame, 26-06-2012.
Eis a entrevista.
O que o senhor chama de Terceira Revolução Industrial?
Quando estudamos história, vemos que as grandes revoluções econômicas acontecem quando há convergência de transformações nas áreas de comunicações e de geração de energia. No século XIX, saímos da prensa manual para a máquina a vapor e pudemos fazer impressões em massa a preços baixos.
Isso possibilitou a criação de escolas na Europa e nas Américas e a educação da força de trabalho, o que conduziu à Primeira Revolução Industrial. O telefone, o rádio, a TV e o petróleo abriram caminho para uma sociedade de consumo de massa, a Segunda Revolução Industrial.
Movida pelos veículos automotores, essa fase agora está chegando ao fim. Teremos de encontrar outras fontes de energia, porque alcançamos o pico mundial da produção de petróleo.
Toda vez que o preço do barril chegar a níveis como o de julho de 2008, quando atingiu 147 dólares, todos os preços vão subir, as pessoas vão deixar de consumir e o sistema vai parar.
Isso acontece porque quase tudo é feito de petróleo: celulares, fertilizantes, pesticidas, medicamentos, materiais de construção, energia elétrica e combustíveis. A produção de petróleo cresce, é verdade, mas a população também aumenta, principalmente com a expansão do número de consumidores de países emergentes, como é o caso do Brasil.
E o que está substituindo o modelo da Segunda Revolução Industrial?
As últimas décadas foram marcadas por uma profunda mudança na área de comunicações, fruto do computador pessoal e da internet. Hoje, há 2,3 bilhões de pessoas mandando os próprios vídeos, fotos e textos para a rede. E o mais incrível é que fizemos isso em 20 anos.
A internet é colaborativa e nela o poder não é mais hierárquico. Ao mesmo tempo, estamos evoluindo no sentido de ter uma geração de energia disseminada, feita no nível do indivíduo. Essa é a grande transformação no campo da energia.
Como é possível que as pessoas produzam energia individualmente?
Primeiro, é importante lembrar que há energias renováveis espalhadas por todo o mundo: solar, eólica, geotérmica, de biomassa e das ondas. Se as fontes renováveis estão em todo lugar, por que somente colhê-las em alguns poucos pontos?
Por que não converter os 191 milhões de prédios espalhados pelos países da União Europeia em miniusinas verdes, com painéis fotovoltaicos no teto, aerogeradores na lateral e conversores de lixo em biomassa? Os prédios são os principais consumidores de energia elétrica e em emissões de gás carbônico.
Isso já acontece em algum lugar?
Alguns prédios novos na Europa geram mais eletricidade do que usam, como é o caso de um complexo de escritórios em Paris. Quando esse modelo se disseminar, movimentará a economia francesa gerando milhões de empregos. A Alemanha, que é o motor econômico da Europa, já converteu 1 milhão de prédios em usinas parciais.
Esse processo criou 370 000 empregos diretos. Hoje cerca de 20% de sua matriz energética é de fontes renováveis. O objetivo é chegar a 35% em 2020. O encaixe perfeito ocorrerá quando for criada uma rede de distribuição que permita o compartilhamento dessas energias por todos os usuários. Mas não resta dúvida: a Europa já começou a Terceira Revolução Industrial.
Como funciona essa rede?
É aí que a revolução nas comunicações converge com a revolução na geração de energia. Já é possível digitalizar a rede de energia - que é unidirecional - e transformá-la em uma rede bidirecional, para que leve energia ao usuário final, mas também receba a energia produzida por ele.
Quando milhões e milhões de prédios estiverem gerando energia elétrica e estocando eletricidade - e já há meios para isso -, poderão usar um software para vender o excesso entre cidades ou países. A Alemanha já está testando uma rede elétrica inteligente em seis regiões.
Pense que todas as grandes montadoras terão veículos elétricos até 2015. No futuro, quando os prédios funcionarem como miniusinas de energia, os carros elétricos poderão ser abastecidos num desses edifícios que geram e armazenam energia, ou seja, em qualquer rua de qualquer cidade.
O senhor diz que devemos perseguir uma sociedade de baixo carbono. Isso significa que devemos parar de buscar petróleo?
Não. Precisaremos de petróleo para o que não temos substitutos, como lubrificantes, alguns processos químicos, produtos farmacêuticos, materiais de construção, fibras sintéticas e uma série de outros produtos. Não devemos é usar combustíveis fósseis para transporte e geração de energia elétrica.
Como o Brasil deveria lidar com o petróleo do pré-sal?
O Brasil tem a chance de usar parte dos recursos do petróleo para criar um modelo energético baseado em eletricidade verde. Caso contrário, o país estará voltado para o século passado. O Brasil pode ser a Arábia Saudita das energias renováveis. Tem mais potencial de geração de energia renovável que qualquer país do mundo.
Todo prédio brasileiro deveria ter painéis solares no teto e nas paredes externas. Deveria haver geradores de energia eólica por toda a costa. O Brasil pode liderar a Terceira Revolução Industrial na América Latina, como a Alemanha está fazendo na Europa. Apostar apenas no petróleo levaria o país a ser uma nação de segundo escalão. Gostaria de conversar sobre isso com a presidente Dilma Rousseff.
O que o senhor espera da Rio+20?
Creio que haverá boas discussões, mas a conclusão será que é preciso haver um plano econômico. Metas de redução de emissão de CO2 parecem uma punição. O que será visto com cada vez mais força, inclusive no Rio de Janeiro, é a discussão de um novo paradigma econômico.
Algo que trate de mudanças climáticas, das energias renováveis, mas que amplie nossa visão sobre o problema. Vale sempre ressaltar: a busca da eficiência energética cria empregos e negócios em larga escala.
Como o senhor responde a quem considera seu plano utópico?
As empresas e os governos com os quais trabalho não estão interessados em utopia. Estamos tentando criar um novo modelo econômico que seja viável, que nos liberte do carbono, que movimente a economia, que gere empregos.
Sabemos que funciona porque estamos testando. Daimler, GM, Toyota, Bosch, Siemens, Cisco, Philips e IBM são empresas utópicas? Elas estão fazendo exatamente o que estou falando. Em breve teremos carros movidos a hidrogênio. Isso é utopia?
Há alguns anos, Rifkin se propôs a demonstrar que era viável colocar as diversas fontes de energia renovável no centro da matriz energética mundial. O assunto evoluiu e foi transformado em livro, A Terceira Revolução Industrial [Makron Books], que chegou às livrarias brasileiras neste mês.
No livro, Rifkin prega que todos os prédios - residenciais ou comerciais - podem ser transformados em pequenas usinas de energia. “Se o Brasil adotar esse modelo, pode ser a Arábia Saudita das energias renováveis e um dos líderes do século XXI”, diz Rifkin.
A entrevista é de Roberta Paduan e Daniel Barros e está publicada na Revista Exame, 26-06-2012.
Eis a entrevista.
O que o senhor chama de Terceira Revolução Industrial?
Quando estudamos história, vemos que as grandes revoluções econômicas acontecem quando há convergência de transformações nas áreas de comunicações e de geração de energia. No século XIX, saímos da prensa manual para a máquina a vapor e pudemos fazer impressões em massa a preços baixos.
Isso possibilitou a criação de escolas na Europa e nas Américas e a educação da força de trabalho, o que conduziu à Primeira Revolução Industrial. O telefone, o rádio, a TV e o petróleo abriram caminho para uma sociedade de consumo de massa, a Segunda Revolução Industrial.
Movida pelos veículos automotores, essa fase agora está chegando ao fim. Teremos de encontrar outras fontes de energia, porque alcançamos o pico mundial da produção de petróleo.
Toda vez que o preço do barril chegar a níveis como o de julho de 2008, quando atingiu 147 dólares, todos os preços vão subir, as pessoas vão deixar de consumir e o sistema vai parar.
Isso acontece porque quase tudo é feito de petróleo: celulares, fertilizantes, pesticidas, medicamentos, materiais de construção, energia elétrica e combustíveis. A produção de petróleo cresce, é verdade, mas a população também aumenta, principalmente com a expansão do número de consumidores de países emergentes, como é o caso do Brasil.
E o que está substituindo o modelo da Segunda Revolução Industrial?
As últimas décadas foram marcadas por uma profunda mudança na área de comunicações, fruto do computador pessoal e da internet. Hoje, há 2,3 bilhões de pessoas mandando os próprios vídeos, fotos e textos para a rede. E o mais incrível é que fizemos isso em 20 anos.
A internet é colaborativa e nela o poder não é mais hierárquico. Ao mesmo tempo, estamos evoluindo no sentido de ter uma geração de energia disseminada, feita no nível do indivíduo. Essa é a grande transformação no campo da energia.
Como é possível que as pessoas produzam energia individualmente?
Primeiro, é importante lembrar que há energias renováveis espalhadas por todo o mundo: solar, eólica, geotérmica, de biomassa e das ondas. Se as fontes renováveis estão em todo lugar, por que somente colhê-las em alguns poucos pontos?
Por que não converter os 191 milhões de prédios espalhados pelos países da União Europeia em miniusinas verdes, com painéis fotovoltaicos no teto, aerogeradores na lateral e conversores de lixo em biomassa? Os prédios são os principais consumidores de energia elétrica e em emissões de gás carbônico.
Isso já acontece em algum lugar?
Alguns prédios novos na Europa geram mais eletricidade do que usam, como é o caso de um complexo de escritórios em Paris. Quando esse modelo se disseminar, movimentará a economia francesa gerando milhões de empregos. A Alemanha, que é o motor econômico da Europa, já converteu 1 milhão de prédios em usinas parciais.
Esse processo criou 370 000 empregos diretos. Hoje cerca de 20% de sua matriz energética é de fontes renováveis. O objetivo é chegar a 35% em 2020. O encaixe perfeito ocorrerá quando for criada uma rede de distribuição que permita o compartilhamento dessas energias por todos os usuários. Mas não resta dúvida: a Europa já começou a Terceira Revolução Industrial.
Como funciona essa rede?
É aí que a revolução nas comunicações converge com a revolução na geração de energia. Já é possível digitalizar a rede de energia - que é unidirecional - e transformá-la em uma rede bidirecional, para que leve energia ao usuário final, mas também receba a energia produzida por ele.
Quando milhões e milhões de prédios estiverem gerando energia elétrica e estocando eletricidade - e já há meios para isso -, poderão usar um software para vender o excesso entre cidades ou países. A Alemanha já está testando uma rede elétrica inteligente em seis regiões.
Pense que todas as grandes montadoras terão veículos elétricos até 2015. No futuro, quando os prédios funcionarem como miniusinas de energia, os carros elétricos poderão ser abastecidos num desses edifícios que geram e armazenam energia, ou seja, em qualquer rua de qualquer cidade.
O senhor diz que devemos perseguir uma sociedade de baixo carbono. Isso significa que devemos parar de buscar petróleo?
Não. Precisaremos de petróleo para o que não temos substitutos, como lubrificantes, alguns processos químicos, produtos farmacêuticos, materiais de construção, fibras sintéticas e uma série de outros produtos. Não devemos é usar combustíveis fósseis para transporte e geração de energia elétrica.
Como o Brasil deveria lidar com o petróleo do pré-sal?
O Brasil tem a chance de usar parte dos recursos do petróleo para criar um modelo energético baseado em eletricidade verde. Caso contrário, o país estará voltado para o século passado. O Brasil pode ser a Arábia Saudita das energias renováveis. Tem mais potencial de geração de energia renovável que qualquer país do mundo.
Todo prédio brasileiro deveria ter painéis solares no teto e nas paredes externas. Deveria haver geradores de energia eólica por toda a costa. O Brasil pode liderar a Terceira Revolução Industrial na América Latina, como a Alemanha está fazendo na Europa. Apostar apenas no petróleo levaria o país a ser uma nação de segundo escalão. Gostaria de conversar sobre isso com a presidente Dilma Rousseff.
O que o senhor espera da Rio+20?
Creio que haverá boas discussões, mas a conclusão será que é preciso haver um plano econômico. Metas de redução de emissão de CO2 parecem uma punição. O que será visto com cada vez mais força, inclusive no Rio de Janeiro, é a discussão de um novo paradigma econômico.
Algo que trate de mudanças climáticas, das energias renováveis, mas que amplie nossa visão sobre o problema. Vale sempre ressaltar: a busca da eficiência energética cria empregos e negócios em larga escala.
Como o senhor responde a quem considera seu plano utópico?
As empresas e os governos com os quais trabalho não estão interessados em utopia. Estamos tentando criar um novo modelo econômico que seja viável, que nos liberte do carbono, que movimente a economia, que gere empregos.
Sabemos que funciona porque estamos testando. Daimler, GM, Toyota, Bosch, Siemens, Cisco, Philips e IBM são empresas utópicas? Elas estão fazendo exatamente o que estou falando. Em breve teremos carros movidos a hidrogênio. Isso é utopia?
Hábito de ler está além dos livros, diz um dos maiores especialistas em leitura do mundo
Um dos maiores especialistas em leitura do mundo, o francês Roger Chartier destaca que o hábito de ler está muito além dos livros impressos e defende que os governos têm papel importante na promoção de uma sociedade mais leitora.
O historiador esteve no Brasil para participar do 2º Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários, realizado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Em entrevista à Agência Brasil, o professor e historiador avaliou que os meios digitais ampliam as possibilidades de leitura, mas ressaltou que parte da sociedade ainda está excluída dessa realidade. “O analfabetismo pode ser o radical, o funcional ou o digital”, disse.
Agência Brasil: Uma pesquisa divulgada recentemente indicou que o brasileiro lê em média quatro livros por ano (a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada pelo Instituto Pró-Livro em abril). Podemos considerar essa quantidade grande ou pequena em relação a outros países?
Roger Chartier: Em primeiro lugar, me parece que o ato de ler não se trata necessariamente de ler livros. Essas pesquisas que peguntam às pessoas se elas leem livros estão sempre ignorando que a leitura é muito mais do que ler livros. Basta ver em todos os comportamentos da sociedade que a leitura é uma prática fundamental e disseminada. Isso inclui a leitura dos livros, mas muita gente diz que não lê livros e de fato está lendo objetos impressos que poderiam ser considerados [jornais, revistas, revistas em quadrinhos, entre outras publicações]. Não devemos ser pessimistas, o que se deve pensar é que a prática da leitura é mais frequente, importante e necessária do que poderia indicar uma pesquisa sobre o número de livros lidos.
Agência Brasil: Hoje a leitura está em diferentes plataformas?
Chartier: Absolutamente, quando há a entrada no mundo digital abre-se uma possibilidade de leitura mais importante que antes. Não posso comparar imediatamente, mas nos últimos anos houve um recuo do número de livros lidos, mas não necessariamente porque as pessoas estão lendo pouco. É mais uma transformação das práticas culturais. É gente que tinha o costume de comprar e ler muitos livros e agora talvez gaste o mesmo dinheiro com outras formas de diversão.
Agência Brasil: A mesma pesquisa que trouxe a média de livro lidos pelos brasileiros aponta que a população prefere outras atividade à leitura, como ver televisão ou acessar a internet.
Chartier: Isso não seria próprio do brasileiro. Penso que em qualquer sociedade do mundo [a pesquisa] teria o mesmo resultado. Talvez com porcentagens diferentes. Uma pesquisa francesa do Ministério da Cultura mostrou que houve uma redistribuição dos gastos culturais para o teatro, o turismo, a viagem e o próprio meio digital.
Agência Brasil: Na sua avaliação, essa evolução tecnológica da leitura do impresso para os meios digitais tem o papel de ampliar ou reduzir o número de leitores?
Chartier: Representa uma possibilidade de leitura mais forte do que antes. Quantas vezes nós somos obrigados a preencher formulários para comprar algo, ler e-mails. Tudo isso está num mundo digital que é construído pela leitura e a escrita. Mas também há fronteiras, não se pode pensar que cada um tem um acesso imediato [ao meio digital]. É totalmente um mundo que impõe mais leitura e escrita. Por outro lado, é um mundo onde a leitura tradicional dos textos que são considerados livros, de ver uma obra que tem uma coerência, uma singularidade, aqui [nos meios digitais] se confronta com uma prática de leitura que é mais descontínua. A percepção da obra intelectual ou estética no mundo digital é um processo muito mais complicado porque há fragmentos e trechos de textos aparecendo na tela.
Agência Brasil: Na sua opinião, a responsabilidade de promover o hábito da leitura em uma sociedade é da escola?
Chartier: Os sociólogos mostram que, evidentemente, a escola pode corrigir desigualdades que nascem na sociedade mesmo [para o acesso à leitura]. Mas ao mesmo tempo a escola reflete as desigualdades de uma sociedade. Então me parece que, também, é um desafio fundamental que as crianças possam ter incorporados instrumentos de relação com a cultura escrita e que essa desigualdade social deveria ser considerada e corrigida pela escola que normalmente pode dar aos que estão desprovidos os instrumento de conhecimento ou de compreensão da cultura escrita. É uma relação complexa entre a escola e o mundo social. E é claro que a escola não pode fazer tudo.
Agência Brasil: Esse é um papel também dos governos?
Chartier: Os governos têm um papel múltiplo. Ele pode ajudar por meio de campanhas de incentivo à leitura, de recursos às famílias mais desprovidas de capital cultural e pode ajudar pela atenção ao sistema escolar. São três maneira de interação que me parecem fundamentais.
Agência Brasil: No Brasil ainda temos quase 14 milhões de analfabetos e boa parte da população tem pouco domínio da leitura e escrita – são as pessoas consideradas analfabetas funcionais. Isso não é um entrave ao estímulo da leitura?
Chartier: É preciso diferenciar o analfabetismo radical, que é quando a pessoa está realmente fora da possibilidade de ler e escrever da outra forma que seria uma dificuldade para uma leitura. Há ainda uma outra forma de analfabetismo que seria da historialidade no mundo digital, uma nova fronteira entre os que estão dentro desse mundo e outros que, por razões econômicas e culturais, ficam de fora. O conceito de analfabetismo pode ser o radical, o funcional ou o digital. Cada um precisa de uma forma de aculturação, de pedagogia e didática diferente, mas os três também são tarefas importantes não só para os governos, mas para a sociedade inteira.
Agência Brasil: Na sua avaliação, a exclusão dos meios digitais poderia ser considerada uma nova forma de analfabetismo?
Chartier: Me parece que isso é importante e há uma ilusão que vem de quem escreve sobre o mundo digital, porque já está nele e pensa que a sociedade inteira está digitalizada, mas não é o caso. Evidente há muitos obstáculos e fronteiras para entrar nesse mundo. Começando pela própria compra dos instrumentos e terminando com a capacidade de fazer um bom uso dessas novas técnicas. Essa é uma outra tarefa dada à escola de permitir a aprendizagem dessa nova técnica, mas não somente de aprender a ler e escrever, mas como fazer isso na tela do computador.
(Fonte: Agência Brasil)
Coca-Cola vendida no Brasil tem maior concentração de substância potencialmente cancerígena
26/6/2012
A Coca-Cola comercializada no Brasil contém a maior concentração do 4-metil-imidazol (4-MI), subproduto presente no corante Caramelo IV, classificado como possivelmente cancerígena. A análise foi realizada no Centro de Pesquisa CSPI (Center for Science in the Public Interest), de Washington D.C. Eles testaram a quantidade da substância nas latas de Coca-Cola também vendidas no Canadá, Emirados Árabe, México, Reino Unido e nos Estados Unidos. As informações sobre o estudo foram divulgadas pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).
A pesquisa que apontou os riscos do Caramelo IV à saúde das pessoas foi feito pelo Programa Nacional de Toxicologia do Governo dos Estados Unidos e fez com que a Iarc (Agência Internacional para Pesquisa em Câncer), da OMS (Organização Mundial da Saúde), incluísse o 4-MI na lista de substâncias possivelmente cancerígenas.
Contatada pelo UOL, a assessoria de imprensa da Coca-Cola ainda não se pronunciou a respeito do estudo.
Concentrações
De acordo com o Centro de Pesquisa CSPI, o refrigerante vendido no Brasil contém 263 mcg (microgramas) do corante cancerígeno em 350 ml, cerca de 267mcg/355ml. Essa concentração é muito maior em comparação com a Coca-Cola vendida no Quênia, que ficou na segunda posição, com 170 cmg/355ml.
QUANTIDADE DE 4-METIL-IMIDAZOL (4-MI) NA COCA-COLA EM NOVE PAÍSES
País 4-MI em microgramas (mcg) em cada 355 ml
Brasil 267
Canadá 160
China 56
Japão 72
Quênia 177
México 147
Emirados Árabes Unidos 155
Reino Unido 145
Estados Unidos (Washington DC) 144
Estados Unidos (Califórnia) 4
A Coca-Cola do Brasil fornece nove vezes mais o limite diário de 4-MI estabelecido pelo governo da Califórnia, que estipulou a quantidade máxima de 39 ml do refrigerante por dia e nenhum outro produto que possui o corante Caramelo IV em sua composição.
Como nos últimos 30 anos o consumo de refrigerante quintuplicou no Brasil, o Idec ressalta que, independentemente da presença do corante, todas as bebidas que contêm açúcar devem ser evitadas, pois se consumidas em excesso podem aumentar o risco de diabetes, obesidade e doenças associadas aos cânceres de esôfago, rins, pâncreas, endométrio, vesícula biliar, cólon e reto.
Mudanças
Nos Estados Unidos, após diversas petições de entidades de defesa do consumidor, o Estado da Califórnia reconheceu a periculosidade do aditivo. Diante disso, empresas como a Coca-Cola e a Pepsi dos Estados Unidos divulgaram que realizarão mudanças em suas fórmulas, de acordo com o instituto.
Por ser um ingrediente que desempenha uma função puramente estética, o Idec questionou às empresas brasileiras se elas possuíam outras alternativas ao Caramelo IV. Foi indagada, ainda, a quantidade de 2-metilimidazol e 4-metilimidazol presente em seus produtos.
À Anvisa, o Idec questionou a base científica para permissão do uso do Caramelo IV no Brasil (estudos que garantem a segurança do aditivo), e se a agência monitora as quantidades de Caramelo IV e 2-metilimidazol e 4-metilimidazol presentes nos produtos alimentícios brasileiros. O Idec exigiu que a agência adotasse providências imediatas, tendo em vista a proteção à saúde do consumidor.
As empresas e a Anvisa terão o prazo de 10 dias para responder aos questionamentos do Idec.
(Fonte: http://noticias.uol.com.br)
segunda-feira, 25 de junho de 2012
Lugo não reconhece novo governo e anuncia resistência
Em entrevista ao Página/12, Fernando Lugo
diz que foi vítima de um golpe parlamentar e resumiu seu plano deste
modo: “Resistência pacífica e não reconhecimento da presidência que se
instalou depois do golpe de Estado”. Lugo pareceu mais animado do que
estava na quinta, quando seu então vice, Federico Franco, o substituiu
na Presidência. Ele afirmou que a sua postura pacífica de sexta teve o
objetivo de evitar violência nas ruas e mortes. "No Paraguai há muita
violência. Na sexta, os mercadores da morte estavam rondando". A
reportagem é de Martín Granovsky.
Martín Granovsky - Página/12
Data: 25/06/2012
Assunção - Os seus colaboradores já
encontraram um título para ele. “É o presidente dos paraguaios”, dizem,
para diferenciá-lo do cargo de presidente do Paraguai que Fernando Lugo
perdeu com a destituição de sexta-feira pelas mãos do Congresso. Domingo
à noite, em entrevista ao Página/12, Lugo resumiu seu plano deste modo:
“Resistência pacífica e não reconhecimento da presidência que se
instalou depois do golpe de Estado”. Lugo parece mais animado do que
estava na quinta, quando seu então vice, Federico Franco, o substituiu
na Presidência. Parte de sua estratégia é interna e parte parece
consistir em sua instalação internacional para fortalecer-se também
entre os paraguaios.
Franco também procura agir nestes dois planos, a ponto de dizer ontem que Lugo é a única pessoa que pode evitar o conflito internacional. É uma forma de se referir aos problemas que experimenta o governo pelas crescentes medidas de castigo, começando pela já decidida suspensão do Mercosul. “Te cospem na cara e, ao mesmo tempo, te chamam de lindo”, disse Lugo ao Página/12, comentando a declaração de Franco.
Você percebe que Franco o torna responsável de qualquer represália que o Paraguai receba?
Não são castigos ao Paraguai. Estamos frente a um grande movimento de solidariedade internacional do qual participa teu país. A Argentina é um país irmão, vizinho e muito próximo, que conhecem muito bem a realidade paraguaia.
Retirou Rafael Romá, o embaixador.
Fez o que dentro de sua soberania considerou que seria útil para a liberdade e a soberania de um país que quer a democracia como o Paraguai.
E se a solidariedade se converter em problemas cotidianos, como você reagirá?
Infelizmente, muitos inocentes poderão sofrer as consequências. Eu quero o melhor para o Paraguai. Por isso, rechaçamos o regime.
Na madrugada de domingo, frente ao edifício da televisão pública, você falou de resistência pacífica. Essa será a tática?
Sim. Já começamos a resistência pacífica e não reconhecemos a presidência que se instalou depois do golpe de Estado parlamentar. E começam a surgir as manifestações de cidadãos e cidadãs. Elas crescem, são pacíficas e se expressam contra o que o parlamento decidiu naquela sexta-feira sombria. Também vamos realizar uma reunião de gabinete.
Quando?
Às seis da manhã (de segunda). Participarão dela todos os colaboradores do meu gabinete, quando estávamos no palácio de governo.
Ao se despedir dos chanceleres da Unasul, você disse que voltaria a seu trabalho político junto às bases. Foi o que relatou o chanceler Héctor Timerman ao Página/12.
E já começamos a fazer isso. Vamos unir forças com os movimentos sociais e sindicais.
Sempre dentro da ideia de não-violência?
Sim. Sempre.
Por isso, na sexta, quando o destituíram, teve uma atitude pacífica?
Sim. Nos submetemos ao julgamento político parlamentar e aceitamos o veredito para evitar derramamento de sangue. Somos contra todo tipo de violência e esse dia pressagiava violência e repressão. Hoje, já com o espírito sereno, as manifestações cidadãs são exemplares, o que ser visto nas ruas ou nas transmissões do Canal 13 do Paraguai e como o faz a televisão pública.
É uma forma de ação política que será repetida no interior do Paraguai?
Exato. E estamos serenos para essa tarefa. Esse é o motivo pelo qual a nossa atitude de sexta-feira foi ponderada por muita gente. No Paraguai há muita violência. Na sexta, os mercadores da morte estavam rondando. O julgamento era injusto, descabido e sem argumento, mas era preciso reagir como fizemos. Era a melhor coisa a fazer.
O dinamismo de sua atividade aumentará?
Estamos saindo nos comunicando com a cidadania. Hoje tivemos uma série de reuniões com líderes sociais e políticos. O rechaço crescerá. Estou seguro disso. Haverá uma consolidação do rechaço à presidência que surgiu da destituição.
Franco insiste que o Congresso só aplicou um artigo da Constituição, que fala de procedimentos e não de prazos para o julgamento político do presidente.
Sobre isso, gostaria de destacar o que disse o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos. A ferramenta do julgamento político é válida do ponto de vista jurídico e constitucional, mas os congressistas exageraram na forma.
Os congressistas poderiam dizer que votaram com maioria qualificada.
É um simples acordo de cúpulas feito pelo pelos dirigentes dos partidos tradicionais.
Em sua primeira aparição pública após ter sido destituído, você disse que havia setores políticos vinculados ao narcotráfico. A quem estava se referindo?
Há muitos parlamentares acusados de ter uma grande participação em negócios ilícitos. O narcotráfico está dentro de alguns setores da política. Há investigações que foram publicadas, denúncias...
Os próximos passos
Nosso projeto é reforçar a presença política de Fernando Lugo, disse ao Página/12, após a entrevista, um colaborador que pediu para não ser identificado. A análise otimista dos partidários de Lugo indica que Franco não conseguirá impor a ideia de que o responsável pelo eventual isolamento do Paraguai é o presidente derrubado. “Temos isso muito claro, não vemos um perigo nesse tema”, é a opinião geral. Outro ponto considerado pelos dirigentes próximos ao ex-presidente é que, como disse um deles, “virão tempos difíceis para o setor importador e também para o setor exportador”. “Os setores fáticos ficarão em má situação, cada vez pior”, disse. No Paraguai, assim como na Espanha, quando alguém fala dos “poderes fáticos”, está usando a expressão no mesmo sentido que “establishment” é usado na Argentina.
O núncio apostólico foi o primeiro representante diplomático estrangeiro a se reunir com Franco. Em outro setor da Igreja Católica, porém, o monsenhor Melanio Medina, bispo de Missiones e Ñeembucú, ironizou ontem em sua homilia o novo presidente: “Pobre Franco, em que confusão está metido, porque a estrutura parlamentar e capitalista não vai permitir que ele faça nada”. Disse ainda que a destituição foi “um golpe do Parlamento” e que Lugo foi afastado por “querer lutar a favor dos pobres”.
Medina também incursionou na análise diplomática. “No melhor dos casos, mais adiante se acerta a relação bilateral, mas se cortarão o gás e os combustíveis que o país compra da Argentina”, disse. Além disso, atribuiu o assassinato de onze camponeses e seis policiais em Curuguaty à cobiça dos proprietários de terras. Citou Blas Riquelme, dono de mais de 40 mil hectares.
A fronteira da soja se expande frequentemente no Paraguai, assim como ocorre em Santa Fé ou Santiago del Estero (na Argentina), com disparos para amedrontar ou atacar diretamente os pequenos proprietários de terra. Segundo Medina, tanto no Paraguai como na América Latina inteira há dois modelos: “O que busca a igualdade social e o capitalismo que só quer acumular fortunas e que não tem nenhuma preocupação com a situação dos pobres”.
As declarações de Lugo ao Página/12, os comentários de seus colaboradores e o testemunho do bispo Medina parecem marcar a busca, por parte de Lugo, da popularidade que teve em seu primeiro ano de governo, em 2008, e que foi perdendo, apesar das políticas sociais e do aumento do gasto em saúde.
Desde que começou a série de discursos, a maioria de militantes de base, na frente do edifício da televisão pública, a questão da saúde foi uma das mais repetidas entre os argumentos em defesa de Lugo, Neste mesmo lugar, na madrugada de domingo, o próprio Lugo apareceu e ali mesmo houve um indício da política que quer afastar Franco. Também pela madrugada apareceu uma pessoa de uns 35 anos, sorridente, que manifestou desejo de participar das sessões de microfone aberto. Afirmou chamar-se Cristian Saguier e comunicou que era o chefe da nova direção da televisão pública. Anunciou que o governo não suprimiria o programa Microfone Aberto e que estava ali para “celebrar a discussão pública”.
Esse lugar pode ser um dos pontos de observação da política paraguaia. Por um lado, e para além do nível de audiência, mais baixo que o dos canais privados, Franco quer preservar a imagem de um Paraguai democrático, de um país que não incorreu na ruptura da ordem constitucional. Por outro, está embretado pela mesma realidade: mesmo com audiência menor, o programa é uma referência. O resto depende do que Lugo e os setores que o apoiam consigam fazer daqui até as eleições de 2013.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Franco também procura agir nestes dois planos, a ponto de dizer ontem que Lugo é a única pessoa que pode evitar o conflito internacional. É uma forma de se referir aos problemas que experimenta o governo pelas crescentes medidas de castigo, começando pela já decidida suspensão do Mercosul. “Te cospem na cara e, ao mesmo tempo, te chamam de lindo”, disse Lugo ao Página/12, comentando a declaração de Franco.
Você percebe que Franco o torna responsável de qualquer represália que o Paraguai receba?
Não são castigos ao Paraguai. Estamos frente a um grande movimento de solidariedade internacional do qual participa teu país. A Argentina é um país irmão, vizinho e muito próximo, que conhecem muito bem a realidade paraguaia.
Retirou Rafael Romá, o embaixador.
Fez o que dentro de sua soberania considerou que seria útil para a liberdade e a soberania de um país que quer a democracia como o Paraguai.
E se a solidariedade se converter em problemas cotidianos, como você reagirá?
Infelizmente, muitos inocentes poderão sofrer as consequências. Eu quero o melhor para o Paraguai. Por isso, rechaçamos o regime.
Na madrugada de domingo, frente ao edifício da televisão pública, você falou de resistência pacífica. Essa será a tática?
Sim. Já começamos a resistência pacífica e não reconhecemos a presidência que se instalou depois do golpe de Estado parlamentar. E começam a surgir as manifestações de cidadãos e cidadãs. Elas crescem, são pacíficas e se expressam contra o que o parlamento decidiu naquela sexta-feira sombria. Também vamos realizar uma reunião de gabinete.
Quando?
Às seis da manhã (de segunda). Participarão dela todos os colaboradores do meu gabinete, quando estávamos no palácio de governo.
Ao se despedir dos chanceleres da Unasul, você disse que voltaria a seu trabalho político junto às bases. Foi o que relatou o chanceler Héctor Timerman ao Página/12.
E já começamos a fazer isso. Vamos unir forças com os movimentos sociais e sindicais.
Sempre dentro da ideia de não-violência?
Sim. Sempre.
Por isso, na sexta, quando o destituíram, teve uma atitude pacífica?
Sim. Nos submetemos ao julgamento político parlamentar e aceitamos o veredito para evitar derramamento de sangue. Somos contra todo tipo de violência e esse dia pressagiava violência e repressão. Hoje, já com o espírito sereno, as manifestações cidadãs são exemplares, o que ser visto nas ruas ou nas transmissões do Canal 13 do Paraguai e como o faz a televisão pública.
É uma forma de ação política que será repetida no interior do Paraguai?
Exato. E estamos serenos para essa tarefa. Esse é o motivo pelo qual a nossa atitude de sexta-feira foi ponderada por muita gente. No Paraguai há muita violência. Na sexta, os mercadores da morte estavam rondando. O julgamento era injusto, descabido e sem argumento, mas era preciso reagir como fizemos. Era a melhor coisa a fazer.
O dinamismo de sua atividade aumentará?
Estamos saindo nos comunicando com a cidadania. Hoje tivemos uma série de reuniões com líderes sociais e políticos. O rechaço crescerá. Estou seguro disso. Haverá uma consolidação do rechaço à presidência que surgiu da destituição.
Franco insiste que o Congresso só aplicou um artigo da Constituição, que fala de procedimentos e não de prazos para o julgamento político do presidente.
Sobre isso, gostaria de destacar o que disse o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos. A ferramenta do julgamento político é válida do ponto de vista jurídico e constitucional, mas os congressistas exageraram na forma.
Os congressistas poderiam dizer que votaram com maioria qualificada.
É um simples acordo de cúpulas feito pelo pelos dirigentes dos partidos tradicionais.
Em sua primeira aparição pública após ter sido destituído, você disse que havia setores políticos vinculados ao narcotráfico. A quem estava se referindo?
Há muitos parlamentares acusados de ter uma grande participação em negócios ilícitos. O narcotráfico está dentro de alguns setores da política. Há investigações que foram publicadas, denúncias...
Os próximos passos
Nosso projeto é reforçar a presença política de Fernando Lugo, disse ao Página/12, após a entrevista, um colaborador que pediu para não ser identificado. A análise otimista dos partidários de Lugo indica que Franco não conseguirá impor a ideia de que o responsável pelo eventual isolamento do Paraguai é o presidente derrubado. “Temos isso muito claro, não vemos um perigo nesse tema”, é a opinião geral. Outro ponto considerado pelos dirigentes próximos ao ex-presidente é que, como disse um deles, “virão tempos difíceis para o setor importador e também para o setor exportador”. “Os setores fáticos ficarão em má situação, cada vez pior”, disse. No Paraguai, assim como na Espanha, quando alguém fala dos “poderes fáticos”, está usando a expressão no mesmo sentido que “establishment” é usado na Argentina.
O núncio apostólico foi o primeiro representante diplomático estrangeiro a se reunir com Franco. Em outro setor da Igreja Católica, porém, o monsenhor Melanio Medina, bispo de Missiones e Ñeembucú, ironizou ontem em sua homilia o novo presidente: “Pobre Franco, em que confusão está metido, porque a estrutura parlamentar e capitalista não vai permitir que ele faça nada”. Disse ainda que a destituição foi “um golpe do Parlamento” e que Lugo foi afastado por “querer lutar a favor dos pobres”.
Medina também incursionou na análise diplomática. “No melhor dos casos, mais adiante se acerta a relação bilateral, mas se cortarão o gás e os combustíveis que o país compra da Argentina”, disse. Além disso, atribuiu o assassinato de onze camponeses e seis policiais em Curuguaty à cobiça dos proprietários de terras. Citou Blas Riquelme, dono de mais de 40 mil hectares.
A fronteira da soja se expande frequentemente no Paraguai, assim como ocorre em Santa Fé ou Santiago del Estero (na Argentina), com disparos para amedrontar ou atacar diretamente os pequenos proprietários de terra. Segundo Medina, tanto no Paraguai como na América Latina inteira há dois modelos: “O que busca a igualdade social e o capitalismo que só quer acumular fortunas e que não tem nenhuma preocupação com a situação dos pobres”.
As declarações de Lugo ao Página/12, os comentários de seus colaboradores e o testemunho do bispo Medina parecem marcar a busca, por parte de Lugo, da popularidade que teve em seu primeiro ano de governo, em 2008, e que foi perdendo, apesar das políticas sociais e do aumento do gasto em saúde.
Desde que começou a série de discursos, a maioria de militantes de base, na frente do edifício da televisão pública, a questão da saúde foi uma das mais repetidas entre os argumentos em defesa de Lugo, Neste mesmo lugar, na madrugada de domingo, o próprio Lugo apareceu e ali mesmo houve um indício da política que quer afastar Franco. Também pela madrugada apareceu uma pessoa de uns 35 anos, sorridente, que manifestou desejo de participar das sessões de microfone aberto. Afirmou chamar-se Cristian Saguier e comunicou que era o chefe da nova direção da televisão pública. Anunciou que o governo não suprimiria o programa Microfone Aberto e que estava ali para “celebrar a discussão pública”.
Esse lugar pode ser um dos pontos de observação da política paraguaia. Por um lado, e para além do nível de audiência, mais baixo que o dos canais privados, Franco quer preservar a imagem de um Paraguai democrático, de um país que não incorreu na ruptura da ordem constitucional. Por outro, está embretado pela mesma realidade: mesmo com audiência menor, o programa é uma referência. O resto depende do que Lugo e os setores que o apoiam consigam fazer daqui até as eleições de 2013.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Aumento para servidor tem “impacto” menor que US$ 10 bi ao FMI
22/06/2012
Gasto do governo com salário cresceu em 2012 bem abaixo da inflação. Já são 34 categorias federais em greve
porCarlos Lopes
Durante a reunião
do G-20, foi anunciado que o governo brasileiro vai
entrar com US$ 10 bilhões a mais para o FMI – isto é,
para que sejam enfiados em bancos falidos,
irresponsáveis e parasitas. Enquanto isso, a greve dos
funcionários públicos federais se propaga como fogo na
palha seca – e a equipe econômica nega até mesmo um mero
reajuste. O pagamento de salários pelo governo no
primeiro quadrimestre deste ano aumentou apenas 2% em
relação ao mesmo período de 2011 – enquanto a inflação,
de janeiro de 2011 a abril de 2012, alcançava 8,38%.
Estamos de pleno acordo com a
presidente Dilma, que, há 10 dias, em Belo Horizonte,
declarou que “mais uma vez as autoridades da zona do
euro respondem a uma crise que se aprofunda e que se torna
uma crise quase crônica com 100 bilhões de euros para
financiamento aos bancos. A pergunta é, até quando? Vamos
lembrar bem que no fim do ano passado foram 1 trilhão de
euros também para os bancos”.
Talvez por
isso, nos pareceu estranho o anúncio, na reunião do G-20, em
Los Cabos, de que o governo brasileiro se comprometeu a
contribuir com US$ 10 bilhões a mais para o FMI. Nos pareceu
tão estranho que resolvemos conferir a nota de madame
Lagarde, diretora-gerente daquela instituição.
Infelizmente, madame, que fez
carreira como advogada de multinacionais norte-americanas
(portanto, não bate prego sem estopa), fornece uma lista
detalhada dos 12 países – o anúncio diz 37, mas os outros,
da “zona do euro”, já haviam se comprometido em abril - que
resolveram colocar mais dinheiro
no FMI para ser enfiado em bancos europeus, e, por tabela,
nos norte-americanos, que são a origem dos “derivativos” em
que aqueles se afundaram.
Os EUA não fazem parte dessa
lista de desprendidos contribuintes do FMI. Mas o Brasil
está lá, com US$ 10 bilhões. Na América Latina, além do
nosso governo, somente os do México e da Colômbia
subscreveram esse estipêndio (cf. IMF, Press Release Nº
12/231, June 19 2012).
Como o representante do Brasil
nas reuniões do FMI é o ministro Mantega (suplente:
Tombini), não sabemos ainda o que a presidente Dilma achou
dessa filantrópica iniciativa.
Pois, o objetivo desse dinheiro
extra para o FMI é tacitamente claro – até porque jamais se
ouviu falar que o FMI incentivasse a produção, o emprego
ou o crescimento. Madame Lagarde, aliás, esmerou-se em não
deixar dúvidas: trata-se de apoiar a “aplicação de
sólidas medidas de política econômica - em particular as
implementadas pelo Banco Central Europeu – e o
fortalecimento da gestão de governo na zona del euro,
assim como as reformas e o ajuste aplicado em países como
Itália, Espanha e Grécia” (sic).
Em suma, trata-se de saquear os
povos da Europa – e os nossos – em prol de bancos falidos (“sistemas
financeiros ainda frágeis”, na língua de madame) que
colocaram os países centrais no atoleiro atual. Lá pelas
tantas, madame Lagarde resolveu consertar um esquecimento.
Eis o que saiu: “o desemprego é igualmente preocupante”.
Portanto, diz a sensível
senhora, a situação de meia dúzia de banqueiros e a de
dezenas de milhões de trabalhadores sem emprego é
“igualmente” preocupante.
O que quer dizer - mas isso
todo mundo já sabia - que se depender dela, ou do FMI, os
desempregados que se danem. Logo em seguida vem uma
profissão de fé na pilhagem dos Estados, através dos juros:
“a política fiscal – isto é, os estabilizadores
automáticos - cumprirá uma função importante”.
Enquanto isso, no Brasil, nós
precisamos urgentemente, para voltar a crescer, de expandir
o mercado interno – o que significa aumento real de
salários. No entanto, há uma greve gigantesca de
funcionários públicos federais (ver página 5 do WWW.horadopovo.com.br),
e os negociadores do governo parolam sobre a “crise
internacional” para não dar nem reajuste, portanto, para
reduzir o salário real dos servidores públicos.
Como disse o professor
Theotonio dos Santos, como nós um apoiador do governo da
presidente Dilma, sobre o problema dos professores
universitários, “esta greve é séria. Parece que as
autoridades nacionais não estão entendendo o grau de
descontentamento salarial existente na universidade. Há
algo errado. Talvez seja a falta de diálogo, pois não há
reivindicações absurdas. Temos muitos inimigos comuns. Não
podemos abrir flancos para eles. Não há tempo para
hesitações”.
Porém, parece que a equipe
econômica prefere aplacar os inimigos com US$ 10 bilhões, ao
invés de contemplar as justas reivindicações do
funcionalismo – que são apenas uma forma modesta de investir
no atendimento público à população.
A auditora fiscal Maria Lúcia
Fatorelli demonstrou algo irretorquível - no primeiro
quadrimestre, segundo o Tesouro Nacional, o pagamento de
salários e encargos sociais do funcionalismo somou o
seguinte, neste ano e no ano passado:
- 2011: R$
58.338.901.000;
- 2012: R$
59.445.162.000.
A diferença entre um ano e
outro é de 2% (a rigor, 1,89%). No entanto, a inflação dos
15 meses que vão de janeiro de 2011 até abril de 2012 foi
8,38% (IPCA). Ou, se usarmos como índice o INPC, 7,81%.
Logo, isso significa que na
comparação entre o primeiro quadrimestre deste ano e o mesmo
período do ano passado, os servidores saíram perdendo, pelo
menos, 6%, se pudéssemos aplicar essa perda linearmente a
todos os salários. Como não podemos (há categorias sem
reajuste há três anos - entre elas os delegados da PF, os
funcionários do Itamaraty e os auditores da Receita) a perda
de muitos é maior. “O aumento de apenas 2% no gasto com
o conjunto de servidores corresponde apenas a progressões
automáticas de carreira e poucas contratações”, diz a
auditora, que comenta:
“No mesmo período
comparado, os gastos com juros e amortizações da dívida
pública federal subiram extraordinariamente em 40%, de R$
263,9 bilhões nos 4 primeiros meses de 2011 para R$ 369,2
bilhões no mesmo período de 2012. O montante de R$ 369,2
bilhões gastos de janeiro a abril/2012 representam nada
menos que 6 vezes mais que todos os gastos com pessoal,
ativos, aposentados e pensionistas, de todas as carreiras
de servidores federais, de todos os poderes”.
Além de tudo isso – US$ 10
bilhões para reforçar o caixa do FMI?
O montante gasto com salários
dos servidores cresceu mais que a inflação até 2010.
Aproveitando a ideia da auditora, comparemos o aumento desse
montante no primeiro quadrimestre, desde 2004 (em 2003, o
orçamento ainda foi elaborado pelo governo Fernando
Henrique), em relação ao ano anterior (entre parênteses, a
inflação, pelo INPC): 2004: +10,14%
(inflação: 6,13%); 2005: +10,32% (inflação:
5,05%); 2006: +13,60% (inflação: 2,81%);
2007: +13,66% (inflação: 5,16%); 2008:
+6,63% (inflação: 6,48%); 2009: +25,34%
(inflação: 4,11%); 2010: +6,50% (inflação:
6,47%).
O montante de pagamentos de
salários no primeiro quadrimestre superou a inflação desse
período. Embora, não houve uma completa recomposição nos
salários, pois o arrocho do governo Fernando Henrique foi
tão brutal que “para que os salários retornassem ao
mesmo poder de compra de 1º (primeiro) de janeiro de 1995,
o reajuste necessário sobre os salários de dezembro/2000
deveria ser de 75,48%” (Dieese, “A questão salarial
dos servidores públicos federais”, Brasília, julho de 2001).
No entanto, houve algum esforço
para minorar a situação dos servidores – isto é, para
melhorar o atendimento ao povo. Mas agora temos uma equipe
econômica com um credo de outras épocas: nenhum aumento para
os funcionários, US$ 10 bilhões para o FMI, dinheiro a rodo
para os bancos - e estagnação.
domingo, 24 de junho de 2012
OEA questiona 'julgamento sumário' que destituiu Lugo no Paraguai
Blog de luisnassif, dom, 24/06/2012 - 11:20
Por zanuja castelo branco
Por Pablo Uchoa, Da BBC Brasil em Washington
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, questionou neste sábado o processo que levou ao impeachment do ex-presidente do Paraguai, Fernando Lugo, em menos de 24 horas em Assunção.
"O que nos preocupa não é somente o respeito ou a falta de respeito à lei, mas que a norma escrita seja interpretada de forma propícia para alterá-la com fatos."Através de nota, José Miguel Insulza disse que a destituição de Lugo foi um "julgamento sumário que, ainda que formalmente apegado à lei, não parece cumprir com todos os preceitos legais do Estado de direito de legítima defesa".
Em nota separada, a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH), ligada à OEA, disse que o processo é uma "paródia de Justiça".
"É uma paródia da Justiça e uma afronta ao Estado de Direito remover um presidente em 24 horas, sem garantias para se defender", qualificou o secretário-executivo da CIDH, Santiago Canton. Os dois órgãos têm sede em Washington.
Lugo foi deposto na sexta-feira pelo Congresso paraguaio com base no artigo 225 da Constituição do país, que confere poderes à Câmara de Deputados para iniciar um julgamento político contra o presidente e ao Senado, para atuar como tribunal.
Entretanto, começando e terminado no período de apenas 24 horas, o processo foi considerado por governos da região como um golpe de Estado "branco" contra Fernando Lugo, o primeiro político de esquerda a chegar à Presidência paraguaia.
"É inaceitável a rapidez do julgamento político contra o presidente constitucional e democraticamente eleito", afirmou Santiago Canton.
Impacto na região
A crise política no Paraguai levou a Assunção ministros da Relações Exteriores e o secretário-geral do bloco sul-americano (Unasul), o venezuelano Ali Rodrigues Araque, que qualificou a situação de "golpe de Estado de fato".
Em sua nota, José Miguel Insulza lamentou que já tenham sido "várias as ocasiões (na América Latina) que em alguns países, apegando-se ao pé da letra da lei, violam-se princípios democráticos que devem ter vigência universal."
"Ninguém quer que isto se transforme em uma tendência que obscure este período democrático da nossa região, que foi tão difícil alcançar."
Ele lembrou que a Constituição paraguaia e os tratados internacionais assinados pelo país "consagram os princípios universais do devido processo e da ampla defesa usando todos os recursos processuais, contando para isto com prazos suficientes entre o início do julgamento e a sua conclusão".
O órgão panamericano prometeu "tomar decisões" no início da próxima semana, após manter-se em contato com diplomatas da região durante estes sábado e domingo.
Lugo: quem me tirou do poder será responsável pela volta da ditadura
Por Marco Antonio L.
Por Daniel Favero, do Terra
O presidente destituído do Paraguai, Fernando Lugo, disse na madrugada deste domingo, durante manifestação transmitida ao vivo pela televisão local, que aqueles que o tiraram do poder "serão os responsáveis pela miséria" e "pela volta da ditadura".
"Temos aceitado o veredito injusto daquele Parlamento, em favor da paz e pela não violência. Tínhamos informação de que queriam repetir o março paraguaio (em março de 1999, o assassinato do vice-presidente Luis Maria Argaña desatou protestos em todo o país, dirigidos contra o então governo do presidente Raúl Cubas, político ligado ao general Lino Oviedo - Cubas acabou renunciando antes de sofrer um impeachment). Este povo é um povo pacífico e pacificamente vencemos o 20 de abril (data das eleições). O processo democrático continuará com mais força", disse.
Por Daniel Favero, do Terra
O presidente destituído do Paraguai, Fernando Lugo, disse na madrugada deste domingo, durante manifestação transmitida ao vivo pela televisão local, que aqueles que o tiraram do poder "serão os responsáveis pela miséria" e "pela volta da ditadura".
"Temos aceitado o veredito injusto daquele Parlamento, em favor da paz e pela não violência. Tínhamos informação de que queriam repetir o março paraguaio (em março de 1999, o assassinato do vice-presidente Luis Maria Argaña desatou protestos em todo o país, dirigidos contra o então governo do presidente Raúl Cubas, político ligado ao general Lino Oviedo - Cubas acabou renunciando antes de sofrer um impeachment). Este povo é um povo pacífico e pacificamente vencemos o 20 de abril (data das eleições). O processo democrático continuará com mais força", disse.
Durante seu discurso de poucos minutos, em frente a algumas centenas de manifestantes, Lugo lembro que países como o Brasil e Argentina chamaram seus embaixadores para consultas, após o processo que o destituiu do poder na sexta-feira. "A comunidade internacional, do Brasil, do Uruguai, da Argentina, estão retirando os seus embaixadores do Paraguai".
"Eles (os que o tiraram do poder) serão os culpados pela miséria, do retorno de uma ditadura que o povo não quer (...). 'Ditadura nunca mais', gritávamos quando jovens, e pensávamos nunca mais precisar repetir essas palavras, mas hoje a ditadura não é só militar, é parlamentar", disse o presidente destituído, enquanto os manifestantes gritavam palavras de ordem contrárias a Frederico Franco.
Processo relâmpago destitui Lugo da presidência
No dia 15 de junho, um confronto entre policiais e sem-terra em uma área rural de Cuaraguaty, ligada a opositores, terminou com 17 mortes. O episódio desencadeou uma crise no Paraguai, na qual o presidente Fernando Lugo, acusado pelo ocorrido, foi sendo isolado no xadrez político. Seis dias depois, a Câmara dos Deputados aprovou de modo quase unânime (73 votos a 1) o pedido de impeachment do presidente. No dia 22, pouco mais de 24 horas depois, o Senado julgou o processo e, por 39 votos a 4, destituiu o presidente.
A rapidez do processo, a falta de concretude das acusações e a quase inexistente chance de defesa do acusado provocaram uma onda de críticas entre as lideranças latino-americanas. Lugo, por sua vez, não esboçou resistência e se despediu do poder com um discurso emotivo. Em poucos instantes, Federico Franco, seu vice, foi ovacionado e empossado. Ele discursou a um Congresso lotado, pedindo união ao povo paraguaio - enquanto nas ruas manifestantes entravam em confronto com a polícia -, e compreensão aos vizinhos latinos, que questionam a legitimidade do ocorrido em Assunção.
"Eles (os que o tiraram do poder) serão os culpados pela miséria, do retorno de uma ditadura que o povo não quer (...). 'Ditadura nunca mais', gritávamos quando jovens, e pensávamos nunca mais precisar repetir essas palavras, mas hoje a ditadura não é só militar, é parlamentar", disse o presidente destituído, enquanto os manifestantes gritavam palavras de ordem contrárias a Frederico Franco.
Processo relâmpago destitui Lugo da presidência
No dia 15 de junho, um confronto entre policiais e sem-terra em uma área rural de Cuaraguaty, ligada a opositores, terminou com 17 mortes. O episódio desencadeou uma crise no Paraguai, na qual o presidente Fernando Lugo, acusado pelo ocorrido, foi sendo isolado no xadrez político. Seis dias depois, a Câmara dos Deputados aprovou de modo quase unânime (73 votos a 1) o pedido de impeachment do presidente. No dia 22, pouco mais de 24 horas depois, o Senado julgou o processo e, por 39 votos a 4, destituiu o presidente.
A rapidez do processo, a falta de concretude das acusações e a quase inexistente chance de defesa do acusado provocaram uma onda de críticas entre as lideranças latino-americanas. Lugo, por sua vez, não esboçou resistência e se despediu do poder com um discurso emotivo. Em poucos instantes, Federico Franco, seu vice, foi ovacionado e empossado. Ele discursou a um Congresso lotado, pedindo união ao povo paraguaio - enquanto nas ruas manifestantes entravam em confronto com a polícia -, e compreensão aos vizinhos latinos, que questionam a legitimidade do ocorrido em Assunção.
Os mercadistas venceram
do Blog de Luis Nassif, dom, 24/06/2012 - 08:00
Coluna Econômica - 24/06/2012
Quem venceu a grande discussão econômica dos anos 90?
Numa ponta, os seguidores do chamado "consenso de Washington" - que dizia que bastaria a um país equilibrar suas contas fiscais (ainda que ao custo de destruir sua infraestrutura e suas políticas sociais), não se importar com os juros e dar plena liberdade aos fluxos de capitais para o desenvolvimento se impor por si só.
Na outra ponta, os críticos que mostravam que capitais especulativos não pavimentam o desenvolvimento a longo prazo. Pelo contrário, sua volatilidade e seus impactos sobre o câmbio impedem a consolidação da economia.
No Valor Econômico de quinta-feira passada, o correspondente do jornal em Washington, Alex Ribeiro, escreve sobre o livro recém-lançado "Quem Precisa Abrir a Conta de Capitais" - de John Williamson, o pai do "consenso", junto com Olivier Jeanne e Arvind Subramanian.
A principal conclusão do livro é a de que "a livre mobilidade de capitais parece gerar poucos benefícios em termos de crescimento de longo prazo (...) Pelo contrário, a literatura econômica mostra que controles de capitais são bons para evitar crises provocadas por fuga repentina de capitais voláteis".
Subjacentemente, defende a posição de economistas do FMI e do G-27, de definir normas de conduta para os diversos países, sobre como utilizar ferramentas de controle de capitais.
Esse tipo de posição tem sido criticada pelo representante brasileiro no FMI, Paulo Nogueira Batista Jr.
Mas há uma justificativa para essas "recomendações" - e ela é extraordinariamente vexatória para o Brasil. Sem um "nihil obstat" do establishment internacional, autoridades econômicas brasileiras não têm coragem de enfrentar o estabelecido, mesmo que o estabelecido seja um conjunto de práticas irracionais.
Essa subordinação ao pensamento financeiro internacional - quando ele defendia o livre fluxo de capitais - gerou duas tragédias brasileiras, que mataram vinte anos de industrialização no país: o período Pedro Malan (1994-1999) e o período Antonio Palocci (2005-2009).
Depois, condicionou de forma aguda o pouco corajoso Ministro da Fazenda Guido Mantega.
Subramanian aponta a enorme timidez de Mantega, quando decidiu implantar um IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) de apenas 2% sobre ingresso de capitais para aplicação em renda fixa.
A alíquota era ridícula.
O que ele não sabe é que a medida, mesmo ínfima, suscitou um alarido infernal dos meios de comunicação, alimentado pela tropa de choque da Selic - Mailsons, Gustavos e Mirians -, acenando com o fim do mundo, com a volta da inflação e com o fim dos investimentos.
Quando se completa o ciclo, percebe-se que as análises dos chamados "mercadistas" estavam erradas; os alertas dos críticos estavam corretos. Câmbio fora do lugar, taxa Selic de dois dígitos, superávit à base de contingenciamento orçamentário, tudo isso, hoje em dia, despertaria ironias em qualquer economista de calibre internacional.
Mas foram os mercadistas que venceram o jogo. Porque o objetivo final não era o desenvolvimento do país, mas a consolidação dos novos grupos financeiros. E conseguiram isso sustentando falsas ideias por quase duas décadas.
sábado, 23 de junho de 2012
Valor Econômico, 22/06/2012
Entrevista
Brasil perde importância na siderurgia
internacional
Por Ivo Ribeiro | De São Paulo
O novo eixo da produção de aço no mundo será a Ásia. Os Estados Unidos e a Europa
deixaram de ser protagonistas nesse setor e o Brasil, devido ao impacto crescente de sua
matriz de custos, perdeu a competitividade para ser um grande "player" global. Essa é a
avaliação de Germano Mendes de Paula, professor do Instituto de Economia da
Universidade Federal de Uberlândia. Com mestrado e dourotado pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro e pós-doutorado pela Oxford University, Mendes é um dos
maiores especialistas sobre a indústria do aço no país.
"A competitividade da siderurgia brasileira piorou significativamente a partir de 2005, o
que é evidentemente influenciado pela taxa cambial, além de elevação dos preços das
matérias-primas, redução das vantagens logísticas de antes, como proximidade das
minas de ferro, elevação dos custos de energia e aumento dos custos de investimento",
afirma. Para ele, o setor, no país, com isso, deve se voltar principalmente para atender
ao mercado doméstico
A indústria no mundo, ressalta Mendes, enfrenta um momento de baixa rentabilidade,
excesso de capacidade de produção e aumento da crescente importância das exportações
indiretas (que afetam os clientes das siderúrgicas) e aumento dos custos das matériasprimas
e insumos, como energia. Abaixo, os principais trechos da entrevista ao Valor.
Valor: O que mudou na siderurgia mundial desde a crise 2008 e qual o impacto da
crise na zona do euro e a desaceleração da China?
Germano Mendes de Paula: A siderurgia chinesa sentiu relativamente pouco os
impactos da crise de 2008/2009, em grande medida em função do pacote de
investimentos governamentais, que sustentou a demanda por aço. Por outro lado, o
desempenho financeiro das siderúrgicas é muito ruim e as empresas continuam
anunciando investimentos, o que somente é factível pelo fato de serem companhias
estatais. No resto mundo, o setor ainda não conseguiu retomar à situação pré-crise,
principalmente no que tange à margem de lucro, regredida por aumento dos custos dos
insumos, excesso de capacidade instalada e de exportações indiretas.
Valor: Fala-se muito no excesso de oferta, mas porque as empresas resistem a fazer
cortes de produção para se ajustarem?
Mendes: Na verdade, fizeram alguns cortes de produção, incluindo aqui no Brasil, por
meio do fechamento de altos-fornos. O problema principal é que a siderurgia é uma
atividade com elevadas barreiras à entrada e também à saída. A redução do nível de
atividade é muito onerosa, pois acarreta aumento do custo fixo unitário. Além disso,
algumas usinas que se assemelham à fênix, pois parecem que vão fechar, mas ai aparece
um comprador que tenta reestruturar e reabre a usina. Teesside (no Reino Unido) e
Sparrows Point (nos Estados Unidos) são exemplos.
Valor: Que mudanças estruturais você vê para o setor na Europa, que enfrenta uma
grande crise financeira em vários países?
Mendes: Mesmo sem uma deterioração adicional da situação macroeconômica na
Europa, o desempenho da siderurgia da região não é bom. A bem da verdade, tendo em
vista o elevado grau de instabilidade, que afeta negativamente os investimentos e estes,
por sua vez, a demanda do aço, é até surpreendente que a queda do consumo de aço não
tenha sido ainda pior. Todavia, a queda da importância relativa da siderurgia europeia é
uma tendência sem volta. O que se pode discutir é o ritmo dessa trajetória. Vale lembrar
que nos países da península balcânica, que são europeus, mas não fazem parte da
Eurozona, a situação da siderurgia é dramática, tanto que a US Steel devolveu a usina
Smederevo ao governo da Sérvia sem qualquer compensação financeira.
Valor: E a siderurgia americana?
Mendes: O índice de ociosidade da siderurgia dos EUA em 2012 tem oscilado ao redor
de 20%, o que não é muito diferente da média mundial. Apesar da concordata recente da
RG Steel, o cenário não é tão pessimista. Aliás, vemos uma situação bem melhor do que
a verificada no período 2001/2002. No caso específico de aços longos especiais (que é
muito dependente da automobilística), verifica-se novos projetos para ampliação da
capacidade instalada. A possibilidade de utilização de gás de xisto poderá melhorar
substancialmente a competitividade do setor lá.
Valor: E como fica no Japão?
Mendes: Acredito que a situação é mais desfavorável do que a norte-americana, pois é
grande exportadora líquida de produtos siderúrgicos. Portanto, a construção de novas
usinas em países asiáticos impacta negativamente tais as exportações. No mercado
interno, a demanda de aço para a construção também não vai bem. Além disso, a fusão
entre Nippon Steel e Sumitomo Metals sugere que a necessidade de reestruturação
produtiva com a finalidade de redução de custos é o objetivo principal das siderúrgicas
japonesas. Isso é compreensível diante de um mercado estagnado e certa timidez na
internacionalização.
Valor: Que papel a China terá, considerando que tem excesso de capacidade e está
com sua economia em desaceleração?
Mendes: A siderurgia chinesa enfrenta vários desafios: o governo estimula a
consolidação, mas os efeitos práticos até agora são relativamente pequenos; o
desempenho energético e ambiental, com algumas exceções, é muito insatisfatório e as
margens de lucro são muito pequenas. O governo chinês reconheceu a necessidade de
reestruturação desta indústria no 12º Plano Quinquenal, divulgado no ano passado. O
problema é que o mesmo documento governamental menciona claramente que o
objetivo é a exportação de produtos intensivos em aço, o que evidentemente é um risco
para as cadeias metal-mecânicas de vários países, inclusive os latino-americanos.
Valor: Que cenário você projeta para a Índia?
Mendes: A minha percepção é que as siderúrgicas indianas anunciam projetos com
muita facilidade, algumas chegam falar em quadruplicação da capacidade em uma
década. Não restam motivos para projeções otimistas, seja pelo baixo nível de
urbanização, seja pelo reduzido consumo per capita. Entretanto, a capacidade de
realização não segue na mesma velocidade em função de problemas macroeconômicos e
da dificuldade em obtenção das terras para construir as usinas.
Valor: Como ficará o Brasil, que alguns anos atrás era visto como o grande supridor
futuro de aço semi-acabado para o mundo?
Mendes: A competitividade de custos da siderurgia brasileira piorou significativamente
a partir de 2005, o que é evidentemente influenciado pela taxa cambial. Além disso,
outras questões de cunho setorial também foram determinantes para esta situação:
elevação dos preços dos insumos, comprimindo a importância relativa dos salários;
queda do preço do frete, reduzindo as vantagens logísticas decorrente da proximidade
com as minas de ferro; elevação dos custos da eletricidade, afetando as usinas semiintegradas
(à base de sucata) e aumento do custo de investimento (custo/tonelada).
Nesse contexto, superávits estruturais da siderurgia brasileira estão em xeque, devendo
se voltar a atender principalmente ao mercado doméstico.
Valor: Qual o novo desenho geográfico que você traça para a siderurgia no mundo?
Mendes: Ele tem apenas uma direção: Ásia. A importância dos países do Atlântico está
regredindo e não existem motivos para acreditar que tal tendência não persistirá. O
Brasil, em função do que foi discutido na questão anterior, tenderá a ter uma siderurgia
cada vez mais voltada ao atendimento do mercado nacional. O país deve tentar evitar o
que está acontecendo com a siderurgia australiana no momento: enquanto as
mineradoras de ferro ampliam seus investimentos, as siderúrgicas reduzem capacidade
instalada. Em 2000, a produção australiana de minério de ferro foi 24 vezes superior à
de aço bruto. Em 2010, este valor já foi de 58 vezes. Para 2015, ele tende a alcançar 139
vezes. Assim, enquanto a mineração de ferro no país expande exponencialmente, a
siderurgia - que estava estagnada - caminha para o declínio.
Valor: A verticalização das usinas de aço, investindo em minério de ferro e carvão, vai
se manter e até ganhar mais velocidade?
Mendes: Embora seja uma estratégia cada vez mais disseminada, em vários países
(principalmente na Rússia, Índia e América Latina), com certeza não é possível de ser
adotada por todas as usinas, seja porque o mercado de minério já é bastante consolidado
nas Big 3 [ Vale, Rio Tinto e BHP Billiton ], seja porque as opções logísticas podem
não ser as ideais. A participação das minas de ferro controladas por siderúrgicas no total
mundial de ferro em 2010 foi estimada em 23%, o que dá uma noção de que a estratégia
de verticalização, embora muito importante em termos de resultados financeiros, não é
tão difundida como se apregoa.
Valor: A consolidação de ativos no setor pós-crise caiu drasticamente, a não ser
algumas operações na China. Você vê uma nova onda?
Mendes: De fato, os valores das transações patrimoniais regrediram muito a partir de
2009, embora o número de operações (fusões, aquisições, cisões e joint-ventures)
continue superado 150 por ano. Em outras palavras, as megatransações perderam seu
ímpeto, mas o processo de consolidação na siderurgia mundial não acabou. Em termos
regionais, a indústria asiática, em particular nos países emergentes, ainda está atrasada
neste processo de consolidação. Na China, este processo é estimulado pelo governo,
mas empresas estrangeiras são proibidas de comprarem usinas siderúrgicas relevantes.
Valor: O você vai abordar em seu novo livro sobre a siderurgia, que será lançado na
próxima semana no Congresso anual do setor?
Mendes O "Latin America Steel: a retrospective in 101 essays" é uma coletânea de
artigos publicados na revista britânica "Steel Times International" entre 2000 e 2011.
Durante estes doze anos, a intenção foi apresentar uma visão contemporânea da
indústria siderúrgica latino-americana - o intenso processo de fusões e aquisições,
internacionalização produtiva, alianças estratégicas e o retorno da importância da
integração vertical, entre outros temas. A partir de agosto, vou realizar um pósdoutorado
na Columbia University, EUA. Daí, pretendo escrever um livro discutindo a
interação entre as medidas de política industrial e as estratégias das companhias
siderúrgicas, em seis regiões-países selecionados: Estados Unidos, União Europeia,
Japão, China, Índia e Brasil. Quero avançar num terreno ainda pouco explorado, da
mesma forma que fiz em 1998-99, quando realizei pós-doutorado na Oxford University
e escrevi uma obra sobre as estratégias de internacionalização de siderúrgicas.
Apesar
do socorro de 100 bilhões de euros à Espanha, crise faz aumentar o
temor de que as dificuldadess econômicas arrrastem outros gigantes
europeus - e coloca em dúvida o futuro do euro
A
mesma espiral de destruição que levou a Grécia à lona chegou agora à
Espanha. Na quarta-feira 13, a agência de classificação de risco de
crédito Moody"s rebaixou o rating (capacidade de um determinado emissor
de títulos de cumprir compromissos com investidores) do país e uma série
de indicadores negativos vem causando pânico nos mercados. Segundo a
agência, a queda da classificação reflete a necessidade de a Espanha
recorrer a um plano de socorro de 100 bilhões de euros, que serão
liberados pelo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (ESM, sigla em
inglês) e principalmente a persistente fragilidade da economia do país
ibérico. A crise reforça os temores de um contágio à Itália, colocando
Roma no centro da crise europeia e gerando um efeito dominó. "Se isso
acontecer será o fim do euro", afirma José Luis Oreiro, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB).
A economia espanhola entrou oficialmente em recessão ao registrar uma
queda de 0,3% de seu Produto Interno Bruto no primeiro trimestre. Com
uma demanda interna fraca, a produção industrial despencou e o emprego
sumiu – mais da metade dos jovens espanhóis estão sem trabalhar. O
cenário fez com que investidores internacionais corressem para a porta
de saída e, pior ainda, os bancos domésticos não dão conta de tampar
buracos na economia.
A
essa altura da crise, o que mais preocupa é que outras importantes
economias entrem em recessão. Tudo indica que a bola da vez seja mesmo a
Itália. Segundo dados divulgados na última semana, o PIB italiano, que
já vinha encolhendo desde o terceiro trimestre do ano passado, caiu
novamente nos três primeiros meses de 2012. Apesar de alguns economistas
considerarem os indicadores da economia italiana melhores do que os
espanhóis, o problema é a percepção dos mercados de que a Itália seguirá
o mesmo caminho. No caso de um calote espanhol, nem as economias
consideradas mais fortes da Europa, como Alemanha e França, sairiam
ilesas. De acordo com um levantamento da Autoridade Bancária Europeia,
as instituições financeiras alemãs têm 146 bilhões de euros a receber do
governo e do setor privado espanhol. A França, que emprestou aos
espanhóis 115,2 bilhões de euros, também seria afetada por um eventual
calote. Para o primeiro-ministro Mariano Rajoy, a crise será atenuada no
segundo semestre, mas a onda de protestos que varre o país revela que a
população não confia numa recuperação imediata.
Como
reverter um cenário que, ao contrário de prognósticos feitos no início
do ano, parece piorar? Até agora, a política de austeridade tem se
mostrado pouco eficiente. O corte de gastos em meio à recessão induz à
queda da atividade econômica, o que leva a uma diminuição das receitas
tributárias do governo e, no fim das contas, o déficit se mantém tão
grande quanto no início. Até o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman já
defendeu que, para a Espanha sair da crise, é necessário um aumento da
demanda doméstica, o que, num primeiro momento, requer um aumento dos
gastos do governo espanhol, em vez de uma redução. Krugman chegou a
afirmar inclusive que a política de combate à crise da chanceler alemã
Ângela Merkel representa um empecilho difícil de ser superado. Num
momento de crise acentuada, não é hora de apertar demais o cinto – mas é
justamente isso que a Espanha e a Grécia fizeram nos últimos meses.
jlcoreiro | 23 de junho de 2012
sexta-feira, 22 de junho de 2012
Dantas nas terras dos Carajás
Do site Carta Maior
A violenta região de Carajás ganhou mais um
capítulo no dia 21 de junho de 2012. 16 pessoas foram feridas à bala
por jagunços da fazenda Cedro, localizada no município de Marabá (PA). A
violência ocorreu pela manhã quando trabalhadores rurais sem terra
ligados ao MST no sudeste do Pará realizavam um ato político que
denunciava a grilagem de terra pública, de desmatamento ilegal e uso
intensivo de venenos na área. O banqueiro Daniel Dantas é um personagem
recente numa região considerada explosiva, quando o tema é a luta pela
terra. O artigo é de Rogério Almeida.
Rogério Almeida
Data: 22/06/2012
A violenta região de Carajás ganhou mais um
capítulo hoje, 21 de junho de 2012. 16 pessoas foram feridas à bala por
jagunços da fazenda Cedro, localizada no município de Marabá, sudeste do
Pará. Uma criança e uma mulher estão entre os feridos. A criança de
dois anos de idade foi atingida por um tiro na cabeça. Conforme a
coordenação do MST no Pará há feridos com gravidade. Até o momento não
foi anunciada a morte de ninguém.
A violência ocorreu pela manhã quando trabalhadores rurais sem terra ligados ao MST no sudeste do Pará realizavam um ato político que denunciava a grilagem de terra pública, de desmatamento ilegal, uso intensivo de venenos na área e violência cotidiana contra trabalhadores.
A fazenda faz parte do portfólio da Agropecuária Santa Bárbara, que integra os empreendimentos do controvertido banqueiro Daniel Dantas, que controla o Opportunity. Dantas saiu do anonimato graças às investigações da Polícia Federal, desencadeada em 2004.
Não é o primeiro episódio envolvendo jagunços da Agropecuária Santa Bárbara e militantes do MST. A relação tensa teve o primeiro registro em abril de 2009, perto das comemorações da passagem do Massacre de Eldorado dos Carajás. Os pistoleiros travestidos de seguranças feriram ativistas que tentavam ocupar a Fazenda Espirito Santo, localizada no município de Xinguara. Na área foram registrados crimes ambientais e trabalhadores libertos de condições análogas a trabalho escravo.
Com relação ao caso ocorrido hoje, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Marabá e o MST do Pará argumentam que 300 famílias estão acampadas nessa fazenda desde o dia 1º de março de 2010. Ao todo foram 06 fazendas do Grupo de Dantas ocupadas pelos movimentos sociais no período. A então juíza da Vara Agrária de Marabá negou o pedido de liminar de despejo feito pelo grupo à época, mesmo assim o Tribunal de Justiça do Estado cassou a decisão da juíza e autorizou o despejo de todas as famílias.
As mesmas organizações que defendem a reforma agrária na região, considerada a mais violenta do país, informam que através de mediação da Ouvidoria Agrária Nacional, foi proposto um acordo judicial perante a Vara Agrária de Marabá, através do qual, os Movimentos Sociais, com apoio do INCRA, desocupariam três fazendas (Espírito Santo, Castanhais, Porto Rico) e outras três (Cedro, Itacaiunas e Fortaleza) seriam desapropriadas para o assentamento das famílias.
O Grupo Santa Bárbara, que administra as fazendas do banqueiro, concordou com a proposta. Em ato contínuo, os trabalhadores sem terra desocuparam as três fazendas, mas, o Grupo Santa Bárbara tem se negado a assinar o acordo.
O banqueiro Daniel Dantas é um personagem recente numa região considerada explosiva, quando o tema é a luta pela terra. Ainda hoje os seus reais interesses configuram uma incógnita. Trata-se de uma fronteira onde inúmeras redes econômicas, políticas e sociais disputam as terras e os recursos lá existentes. Entre os sujeitos estão a mineradora Vale, fazendeiros, camponeses e garimpeiros. Pouco mais de 50% do território que aglutina uns 30 municípios do sul e sudeste do Pará é conformado por projetos de assentamentos (PA) da reforma agrária. A maioria dos PA`s foi criada após o Massacre de Eldorado, em 1996. No conjunto que soma mais de 500 projetos havia área ocupada há mais de vinte anos.
Várias fazendas controladas pela empresa do banqueiro Daniel Dantas foram adquiridas da família Mutran, que graças a ações ilegais passou a controlar vários castanhais, que vieram a se tornar fazendas. Eis os principais personagens deste enredo: Estado, MST, família Mutran e Daniel Dantas. A cobertura midiática sempre tende a criminalizar as ações do movimento, e nunca contemplam o complexo cenário marcado pela aguda disputa pela terra, que ao longo dos anos imortalizou a região como a mais violenta do Brasil.
O contexto histórico
Dantas é o mais novo sujeito da cena econômica e política a exercer pressão sobre as terras e as riquezas locais. Uma presença ainda não digerida para as pessoas que se inquietam em entender as dinâmicas da região. Mas, relatórios da Polícia Federal assinados pelo delegado Ricardo Andrade Saadi indicam indícios de lavagem de dinheiro.
Quanto à posse legal das terras, em 30 de janeiro de 2009 o juiz Líbio Araújo de Moura, titular da vara agrária de Redenção, bloqueou os títulos das fazendas Castanhal, Espírito Santo e Castanhal Carajás. As duas fazendas somam 10 mil hectares e foram negociadas por R$ 85 milhões pelo pecuarista Benedito Mutran. As áreas estão indisponíveis para qualquer tipo de negociação.
As fazendas vendidas pelo Mutran não poderiam ter sido negociadas, posto serem terras cedidas pelo Estado através da ferramenta jurídica do aforamento, que concede direito de uso para fins do extrativismo da castanha do Brasil e não de posse. Desde os tempos coloniais a terra e os recursos nela existentes mobilizam redes econômicas, políticas e sociais. Nos dias atuais, por onde se lança a atenção nas Amazônias do Brasil ou fora dela há registros de tensão entre grandes corporações e as populações locais.
O sul e o sudeste do Pará, banhados pela bacia do Araguaia-Tocantins, ao longo de sua “conquista” se configuraram como uma espécie de emblema da expropriação e da violência pública e privada contra as populações indígenas e camponesas na Amazônia. Trata-se de uma fronteira agro-mineral, onde tensionam pelo controle dos territórios empresas do quilate da Vale, madeireiros, fazendeiros, pecuaristas, indígenas, garimpeiros, frigoríficos de grande porte, camponeses assentados, ocupantes filiados ou não a alguma representação política, sob uma situação fundiária de abissal incerteza. Para efeito didático trataremos apenas de sudeste as duas regiões em questão.
6.102 títulos de terra registrados nos cartórios estaduais possuem irregularidades. Somados, os papéis representam mais de 110 milhões de hectares, quase um Pará a mais, em áreas possivelmente griladas. Os dados resultam de três anos de pesquisa dos órgãos ligados à questão fundiária no estado, através da Comissão Permanente de Monitoramento, Estudo e Assessoramento das Questões Ligadas à Grilagem (Tribunal de Justiça, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Advocacia Geral da União, Ordem dos Advogados do Brasil, Federação dos Trabalhadores na Agricultura, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, Comissão Pastoral da Terra e a Federação da Agricultura do Estado do Pará). O documento foi apresentado em 30 de abril de 2009 no auditório do Ministério Público Federal (MPF)
Conforme o site do MPF, a magnitude dos problemas nos registros – que abrangem de fraudes evidentes a erros de escriturários - levou a um pedido, dirigido à Corregedoria do Interior do Tribunal de Justiça, para que iniciasse imediatamente o cancelamento administrativo de todos os títulos irregulares, já bloqueados por medida do próprio TJ. A desembargadora Maria Rita Lima Xavier, corregedora do interior, negou o pedido no último mês de março.
O cancelamento dos títulos vai evitar a criação de seis mil processos para o cancelamento dos títulos que podem durar infinitos anos no tribunal já sobrecarregado. Com o indeferimento da desembargadora Maria Rita Lima Xavier, a comissão recorreu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que o mesmo defira pelo cancelamento dos títulos falsos.
Felício Pontes Jr, procurador da República e representante do MPF na comissão, argumenta que os indícios de fraude são evidentes demais para ficarem esperando processo judicial. O pedido de cancelamento dos títulos é subscrito pelo Ministério Público do Estado, Instituto de Terras do Pará (ITERPA) e a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e foi enviado ao CNJ através dos Correios no mesmo dia de apresentação dos dados.
Entre os episódios de grilagem mais famosos do Pará está o do “fantasma” Carlos Medeiros, ente jurídica e fisicamente inexistente que acumula 167 títulos de terra irregulares. Todos os títulos de Medeiros que somam 1,8 milhões de hectares estão bloqueados. As terras se espraiam em dez municípios paraenses. A mesma situação nubla os empreendimentos da Agropecuária Santa Bárbara Xinguara S/A., no sudeste do estado.
Sudeste do Pará
A aguda disputa pela terra alçou a região à condição de mais violenta na disputa pela terra no país. Os dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) estimam em cerca de 600 pessoas executadas na disputa pela terra ao longo de três décadas. A impunidade beira a casa de cem por cento.
Por conta da abundância da riqueza mineral no regime militar a região ganhou o status de área de segurança nacional. A Guerrilha do Araguaia também colaborou para a militarização da fronteira. Na cena econômica o extrativismo da castanha do Brasil, com apogeu até 1970 é considerado relevante na historiografia regional. Tempos marcados pelas oligarquias. Foi justo nesta delicada região, considerada uma das mais tensas na disputa pela terra no país, que Dantas nos derradeiros três anos fez sem muito estardalhaço um pequeno feudo. Assim como os interesses, não é nítida a quantidade exata de terras e gado sob o controle da pessoa jurídica do senhor Dantas em terras do Pará, a Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, dirigida pelo ex-cunhado Carlos Rodenburg.
Estima-se em cerca de 40 fazendas distribuídas em nove municípios do sul e sudeste do estado. Mas, os gerentes da empresa se defendem alegando que controlam somente 15 propriedades, que totalizam 510 mil hectares com 450 mil cabeças de gado. Desde julho de 2008 o Governo do Pará através do ITERPA realiza um levantamento sobre as fazendas controladas pela empresa. Algumas matérias realizadas por jornais regionais indicam que os fazendeiros locais festejam as ações da pecuária Santa Bárbara, inclusive concedendo-lhe honrarias de excelência da categoria no estado através da Federação da Agricultura e Pecuária do Para (FAEPA).
Antecedentes regionais
Houve um tempo em que os castanhais das terras do Araguaia-Tocantins foram livres. Os rios configuravam as principais vias de transporte. Os dias reinaram assim até o ano de 1920. Na época a Amazônia respirava o ocaso do ciclo do extrativismo da borracha. O comércio dos irmãos Chamom fazia o aviamento nos municípios de Marabá e Tucuruí (na época Alcobaça), sudeste do Pará. Desta forma era ativado o extrativismo da castanha . Enquanto cabiam as empresas Bittar Irmãos, Dias & Cia, Nicolau da Costa e A Borges & Cia, entre tantos, aviarem em Belém. Europa e Estados Unidos foram os destinos da produção, explica a pesquisadora Marília Emmi, na obra “A oligarquia do Tocantins e o domínio dos castanhais”.
Até então os índios Gavião e seus sub grupos (Krikateje, Parketeje e Akrikateje), bem como, Kaapor, Xicrin, Atikum, Guajajara, Suruí, entre outros povos, eram os senhores do lugar, ainda que o Estado viesse a declarar durante o regime militar a porção de terras um vazio demográfico. Trabalho escravo, mandonismo e clientelismo davam contorno ao poder dos coronéis.
Conforme pesquisa de Emmi, o comerciante e político Deodoro de Mendonça e sua parentela hegemonizam no domínio dos castanhais até 1940. No período aportou na região descendente de sírio-libaneses, a família Mutran, oriunda do município de Grajaú, Maranhão, num distante 1920. Já em 1930 arrenda e adquire várias terras. Coube à empresa A Borges & Cia aviar a família.
Hoje a atividade da pecuária predomina na região. A iniciativa ganhou proporção a partir de uma política indutora da economia do Estado na Amazônia, em particular no sudeste do Pará. O sudeste paraense detém o maior rebanho de gado do estado. Os anos eram de chumbo, e além da pecuária o estado incentivou a atividade madeireira e minerária. A ideia era fazer com que a região prosperasse a partir desses três polos: madeira, gado e minério.
Assim vastas extensões de terras foram transferidas ou apropriadas por empresas nacionais do Centro-Sul e internacionais. Entre elas podem ser encontrados bancos como Bradesco, Real e o extinto Bamerindus, sem falar na Volkswagen. Por falar em banco, outro que antecipou Dantas foi Calmon de Sá, do falido Banco Econômico.
A renúncia fiscal foi a política adotada para a atração de empresas. A prática tinha nos agentes de planejamento e do financeiro estatais a ponta de lança, leia-se Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e Banco da Amazônia (BASA).
Região explosiva
É complexo o xadrez de agentes e suas respectivas redes que atuam no sudeste do Pará. Cá aflora a grande mineradora Vale, privatizada desde 1997, numa operação considerada um crime de lesa pátria. Por ser a detentora de tecnologia de ponta é ela quem estrutura e desestrutura o território do lugar, como ocorre em várias partes do Pará, a exemplo da tensão registrada no município de Ourilândia do Norte e vizinhança, onde inúmeras famílias de projetos de assentamento da reforma agrária têm sido expulsas por conta de sua Mineradora Onça Puma (MOP), que explora níquel, conforme denúncias de entidades locais.
Agem ainda pelo controle do território grupos indígenas, em certa medida já aculturados pelos hábitos do mundo não índio. Na década de 1980, quando a disputa pela terra torna-se mais aguda, a refrega ganha ares de esquadrão da morte a partir da ação da UDR, ligada a fazendeiros do Bico do Papagaio, norte do Tocantins, sudeste do Pará e oeste do Maranhão. A instituição era animada por Ronaldo Caiado, político radicado em Goiás.
Com tal contexto, ninguém ousou indicar que o campesinato da fronteira iria se territorializar. Hoje a categoria controla mais de 50% do território no sudeste paraense através de projetos de assentamento, em 36 municípios sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). O reconhecimento de áreas ocupadas, algumas delas há mais de duas décadas teve no trágico episódio do Massacre de Eldorado o estopim.
Não resta dúvida quanto ao peso dos fazendeiros na região, mas a conversão de fazendas ocupadas em projetos de assentamento demonstra o avanço do poder de mobilização dos movimentos sociais camponeses, expressos através da Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura do Pará e Amapá (FETAGRI), regional sudeste, com atuação que soma mais de uma década. Mesmo período contabiliza o MST.
Além desses agentes registra-se a presença de garimpeiros. Fora os projetos de assentamento há outras expressões do poder do campesinato local, traduzidas através da efetivação da Escola Família Agrícola (EFA), cursos de nível superior, como Agronomia, Pedagogia e Letras, assento de representações da categoria nas câmaras e executivos municipais e iniciativas de rádios comunitárias e outras ferramentas de comunicação. Por conta dos projetos de assentamento germinam na região empresas de prestação de assistência técnica rural.
O sudeste do Pará é uma região que merece atenção especial por parte do Poder Público. Ela coleciona graves passivos oriundos da experiência dos grandes projetos. A região é recordista em trabalho escravo, assassinatos contra dirigentes e militantes da reforma agrária, concentra boa parte dos municípios mais violentos do país, sem citar a devastação florestal.
Mas, o cenário atual não soa animador. Um exame no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) sinaliza para maior pressão sobre a terra e os recursos naturais nela existentes. Há uma série de obras de infraestrutura: rodovias, hidrovias, hidrelétricas na bacia do Araguaia-Tocantins que irão reorientar, como nos anos da ditadura, e do Programa Grande Carajás (PGC), na dedada de 1980, o cenário econômico, social e político da região.
Uma perspectiva similar desponta a oeste do estado, com a expansão da frente mineral no município de Juruti, a partir da bauxita. O minério explorado pela empresa estadunidense Alcoa é matéria para a produção de alumínio. A Alcoa é uma das maiores empresas do setor. Ainda a oeste tem-se a agenda da construção de inúmeras barragens no rio Tapajós e no Xingu e desde 1980 a bauxita é extraída pela Vale no município de Oriximiná.
Família Mutran – A senhora dos Castanhais
Na paisagem das oligarquias dos castanhais, a dos Mutran se tornou a de maior destaque. Notabilizou-se na história do sudeste paraense pelo abuso da violência. A condição de escravidão, ou modo similar de submissão, continua a ocorrer nas terras do Araguaia-Tocantins. O modelo é apenas uma face das variadas modalidades de violência que povoam a atmosfera local. Uma bela expressão da modernidade.
São muitas as acusações de crimes que pesam nas costas do clã dos Mutran. Assassinatos, corrupção na administração da prefeitura de Marabá, manutenção de cemitérios clandestinos em “suas” fazendas, submissão de trabalhadores rurais à condição de trabalho escravo e devastação dos castanhais para a implantação da pecuária.
Em listas sujas divulgadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), constam três propriedades da família. As “listas sujas” do trabalho escravo foram divulgadas nos anos de 2003 e 2004. As propriedades são: Fazenda Cabaceiras, ocupada pelo MST desde 26 de março de 1999, a Fazenda Peruano, também ocupada pelo MST em abril de 2004, e a Mutamba, onde o MST ocupou, mas não conseguiu se manter. Sob força de liminar os nomes das fazendas foram retirados das listas. Desta forma o fazendeiro pode pleitear financiamento público.
Na página www.reporterbrasil.com.br a reportagem de Leonardo Sakamoto, divulgada no dia 30 de julho de 2004, denuncia que a empresa Jorge Mutran Exportação e Importação Ltda. foi obrigada a pagar a multa de R$ 1.350.440,00, por ter sido autuada mais de uma vez por trabalho escravo em sua fazenda Cabaceiras, em Marabá, sudeste do Pará. Na época foi a maior indenização no Brasil por um caso de redução de pessoas à condição análoga à de escravo.
A reportagem de Sakamoto conta ainda que a sentença foi expedida por Jorge Vieira, da 2ª Vara da Justiça do Trabalho de Marabá, e resulta de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho. Os réus aceitaram as determinações do MPT e o juiz homologou a sentença. A ela não coube recurso. Os responsáveis pela empresa citados no processo da Cabaceiras são os irmãos Evandro (dono também da fazenda Peruano), Délio e Celso Mutran e Helena Mutran.
A fazenda Cabaceiras mantinha cemitério clandestino. A denúncia veio à tona em setembro de 1999, através de reportagem assinada por Ismael Machado, publicada na revista Caros Amigos, de São Paulo, na edição de número 30. A denúncia da presença de cemitério clandestino na fazendeira Cabaceiras foi realizada por uma testemunha de 64 anos, que foi mantida no anonimato. O depoimento ocorreu no dia 21 de julho na Procuradoria da República do Pará. A fazenda foi desapropriada pelo INCRA recentemente.
A Quincas Bonfim e Sebastião Pereira Dias (Sebastião da Teresona), lendários pistoleiros da região, cabia a contratação de peões para a derrubada da mata nativa e implantação de pasto. Além da contratação de peões constava na rotina dos pistoleiros a eliminação de desafetos e peões insubordinados. Conta a matéria de Machado que pelo menos 40 homicídios ocorreram entre 1982 e 1989. Antes de pertencer ao clã Mutran, a fazenda Cabaceiras foi administrada pela empresa Nelito Indústria e Comércio S. A.
Foi com Benedito Mutran Filho que o senhor Dantas negociou a compra de inúmeras fazendas, entre elas a Maria Bonita, ocupada por cerca de 600 famílias ligadas ao MST no dia 25 de julho de 2008, quando se celebra o Dia do Trabalhador Rural. A ação do movimento foi um ato contra a corrupção no país, no sentido de se obter mais agilidade na política de reforma agrária, assim explica nota divulgada pelo movimento.
Boa parte das terras sob o domínio da família é uma cessão de uso do Estado para fins do extrativismo da castanha, e não pode ser repassadas para terceiros. As fazendas São Roque e Cedro também seguiram a mesma linha das citadas acima na negociação com Dantas.
(*) Rogério Almeida é professor da Unama, onde coordena o projeto de extensão Agência Unama pelo Direito da Criança e do Adolescente. Escreve sobre a região desde 1997. O texto integra a obra Pororoca pequena: marolinhas sobre a (s) Amazônia (s) de cá, a ser lançada no mês de julho, com o apoio do Banco da Amazônia.
A violência ocorreu pela manhã quando trabalhadores rurais sem terra ligados ao MST no sudeste do Pará realizavam um ato político que denunciava a grilagem de terra pública, de desmatamento ilegal, uso intensivo de venenos na área e violência cotidiana contra trabalhadores.
A fazenda faz parte do portfólio da Agropecuária Santa Bárbara, que integra os empreendimentos do controvertido banqueiro Daniel Dantas, que controla o Opportunity. Dantas saiu do anonimato graças às investigações da Polícia Federal, desencadeada em 2004.
Não é o primeiro episódio envolvendo jagunços da Agropecuária Santa Bárbara e militantes do MST. A relação tensa teve o primeiro registro em abril de 2009, perto das comemorações da passagem do Massacre de Eldorado dos Carajás. Os pistoleiros travestidos de seguranças feriram ativistas que tentavam ocupar a Fazenda Espirito Santo, localizada no município de Xinguara. Na área foram registrados crimes ambientais e trabalhadores libertos de condições análogas a trabalho escravo.
Com relação ao caso ocorrido hoje, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Marabá e o MST do Pará argumentam que 300 famílias estão acampadas nessa fazenda desde o dia 1º de março de 2010. Ao todo foram 06 fazendas do Grupo de Dantas ocupadas pelos movimentos sociais no período. A então juíza da Vara Agrária de Marabá negou o pedido de liminar de despejo feito pelo grupo à época, mesmo assim o Tribunal de Justiça do Estado cassou a decisão da juíza e autorizou o despejo de todas as famílias.
As mesmas organizações que defendem a reforma agrária na região, considerada a mais violenta do país, informam que através de mediação da Ouvidoria Agrária Nacional, foi proposto um acordo judicial perante a Vara Agrária de Marabá, através do qual, os Movimentos Sociais, com apoio do INCRA, desocupariam três fazendas (Espírito Santo, Castanhais, Porto Rico) e outras três (Cedro, Itacaiunas e Fortaleza) seriam desapropriadas para o assentamento das famílias.
O Grupo Santa Bárbara, que administra as fazendas do banqueiro, concordou com a proposta. Em ato contínuo, os trabalhadores sem terra desocuparam as três fazendas, mas, o Grupo Santa Bárbara tem se negado a assinar o acordo.
O banqueiro Daniel Dantas é um personagem recente numa região considerada explosiva, quando o tema é a luta pela terra. Ainda hoje os seus reais interesses configuram uma incógnita. Trata-se de uma fronteira onde inúmeras redes econômicas, políticas e sociais disputam as terras e os recursos lá existentes. Entre os sujeitos estão a mineradora Vale, fazendeiros, camponeses e garimpeiros. Pouco mais de 50% do território que aglutina uns 30 municípios do sul e sudeste do Pará é conformado por projetos de assentamentos (PA) da reforma agrária. A maioria dos PA`s foi criada após o Massacre de Eldorado, em 1996. No conjunto que soma mais de 500 projetos havia área ocupada há mais de vinte anos.
Várias fazendas controladas pela empresa do banqueiro Daniel Dantas foram adquiridas da família Mutran, que graças a ações ilegais passou a controlar vários castanhais, que vieram a se tornar fazendas. Eis os principais personagens deste enredo: Estado, MST, família Mutran e Daniel Dantas. A cobertura midiática sempre tende a criminalizar as ações do movimento, e nunca contemplam o complexo cenário marcado pela aguda disputa pela terra, que ao longo dos anos imortalizou a região como a mais violenta do Brasil.
O contexto histórico
Dantas é o mais novo sujeito da cena econômica e política a exercer pressão sobre as terras e as riquezas locais. Uma presença ainda não digerida para as pessoas que se inquietam em entender as dinâmicas da região. Mas, relatórios da Polícia Federal assinados pelo delegado Ricardo Andrade Saadi indicam indícios de lavagem de dinheiro.
Quanto à posse legal das terras, em 30 de janeiro de 2009 o juiz Líbio Araújo de Moura, titular da vara agrária de Redenção, bloqueou os títulos das fazendas Castanhal, Espírito Santo e Castanhal Carajás. As duas fazendas somam 10 mil hectares e foram negociadas por R$ 85 milhões pelo pecuarista Benedito Mutran. As áreas estão indisponíveis para qualquer tipo de negociação.
As fazendas vendidas pelo Mutran não poderiam ter sido negociadas, posto serem terras cedidas pelo Estado através da ferramenta jurídica do aforamento, que concede direito de uso para fins do extrativismo da castanha do Brasil e não de posse. Desde os tempos coloniais a terra e os recursos nela existentes mobilizam redes econômicas, políticas e sociais. Nos dias atuais, por onde se lança a atenção nas Amazônias do Brasil ou fora dela há registros de tensão entre grandes corporações e as populações locais.
O sul e o sudeste do Pará, banhados pela bacia do Araguaia-Tocantins, ao longo de sua “conquista” se configuraram como uma espécie de emblema da expropriação e da violência pública e privada contra as populações indígenas e camponesas na Amazônia. Trata-se de uma fronteira agro-mineral, onde tensionam pelo controle dos territórios empresas do quilate da Vale, madeireiros, fazendeiros, pecuaristas, indígenas, garimpeiros, frigoríficos de grande porte, camponeses assentados, ocupantes filiados ou não a alguma representação política, sob uma situação fundiária de abissal incerteza. Para efeito didático trataremos apenas de sudeste as duas regiões em questão.
6.102 títulos de terra registrados nos cartórios estaduais possuem irregularidades. Somados, os papéis representam mais de 110 milhões de hectares, quase um Pará a mais, em áreas possivelmente griladas. Os dados resultam de três anos de pesquisa dos órgãos ligados à questão fundiária no estado, através da Comissão Permanente de Monitoramento, Estudo e Assessoramento das Questões Ligadas à Grilagem (Tribunal de Justiça, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Advocacia Geral da União, Ordem dos Advogados do Brasil, Federação dos Trabalhadores na Agricultura, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, Comissão Pastoral da Terra e a Federação da Agricultura do Estado do Pará). O documento foi apresentado em 30 de abril de 2009 no auditório do Ministério Público Federal (MPF)
Conforme o site do MPF, a magnitude dos problemas nos registros – que abrangem de fraudes evidentes a erros de escriturários - levou a um pedido, dirigido à Corregedoria do Interior do Tribunal de Justiça, para que iniciasse imediatamente o cancelamento administrativo de todos os títulos irregulares, já bloqueados por medida do próprio TJ. A desembargadora Maria Rita Lima Xavier, corregedora do interior, negou o pedido no último mês de março.
O cancelamento dos títulos vai evitar a criação de seis mil processos para o cancelamento dos títulos que podem durar infinitos anos no tribunal já sobrecarregado. Com o indeferimento da desembargadora Maria Rita Lima Xavier, a comissão recorreu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que o mesmo defira pelo cancelamento dos títulos falsos.
Felício Pontes Jr, procurador da República e representante do MPF na comissão, argumenta que os indícios de fraude são evidentes demais para ficarem esperando processo judicial. O pedido de cancelamento dos títulos é subscrito pelo Ministério Público do Estado, Instituto de Terras do Pará (ITERPA) e a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e foi enviado ao CNJ através dos Correios no mesmo dia de apresentação dos dados.
Entre os episódios de grilagem mais famosos do Pará está o do “fantasma” Carlos Medeiros, ente jurídica e fisicamente inexistente que acumula 167 títulos de terra irregulares. Todos os títulos de Medeiros que somam 1,8 milhões de hectares estão bloqueados. As terras se espraiam em dez municípios paraenses. A mesma situação nubla os empreendimentos da Agropecuária Santa Bárbara Xinguara S/A., no sudeste do estado.
Sudeste do Pará
A aguda disputa pela terra alçou a região à condição de mais violenta na disputa pela terra no país. Os dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) estimam em cerca de 600 pessoas executadas na disputa pela terra ao longo de três décadas. A impunidade beira a casa de cem por cento.
Por conta da abundância da riqueza mineral no regime militar a região ganhou o status de área de segurança nacional. A Guerrilha do Araguaia também colaborou para a militarização da fronteira. Na cena econômica o extrativismo da castanha do Brasil, com apogeu até 1970 é considerado relevante na historiografia regional. Tempos marcados pelas oligarquias. Foi justo nesta delicada região, considerada uma das mais tensas na disputa pela terra no país, que Dantas nos derradeiros três anos fez sem muito estardalhaço um pequeno feudo. Assim como os interesses, não é nítida a quantidade exata de terras e gado sob o controle da pessoa jurídica do senhor Dantas em terras do Pará, a Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, dirigida pelo ex-cunhado Carlos Rodenburg.
Estima-se em cerca de 40 fazendas distribuídas em nove municípios do sul e sudeste do estado. Mas, os gerentes da empresa se defendem alegando que controlam somente 15 propriedades, que totalizam 510 mil hectares com 450 mil cabeças de gado. Desde julho de 2008 o Governo do Pará através do ITERPA realiza um levantamento sobre as fazendas controladas pela empresa. Algumas matérias realizadas por jornais regionais indicam que os fazendeiros locais festejam as ações da pecuária Santa Bárbara, inclusive concedendo-lhe honrarias de excelência da categoria no estado através da Federação da Agricultura e Pecuária do Para (FAEPA).
Antecedentes regionais
Houve um tempo em que os castanhais das terras do Araguaia-Tocantins foram livres. Os rios configuravam as principais vias de transporte. Os dias reinaram assim até o ano de 1920. Na época a Amazônia respirava o ocaso do ciclo do extrativismo da borracha. O comércio dos irmãos Chamom fazia o aviamento nos municípios de Marabá e Tucuruí (na época Alcobaça), sudeste do Pará. Desta forma era ativado o extrativismo da castanha . Enquanto cabiam as empresas Bittar Irmãos, Dias & Cia, Nicolau da Costa e A Borges & Cia, entre tantos, aviarem em Belém. Europa e Estados Unidos foram os destinos da produção, explica a pesquisadora Marília Emmi, na obra “A oligarquia do Tocantins e o domínio dos castanhais”.
Até então os índios Gavião e seus sub grupos (Krikateje, Parketeje e Akrikateje), bem como, Kaapor, Xicrin, Atikum, Guajajara, Suruí, entre outros povos, eram os senhores do lugar, ainda que o Estado viesse a declarar durante o regime militar a porção de terras um vazio demográfico. Trabalho escravo, mandonismo e clientelismo davam contorno ao poder dos coronéis.
Conforme pesquisa de Emmi, o comerciante e político Deodoro de Mendonça e sua parentela hegemonizam no domínio dos castanhais até 1940. No período aportou na região descendente de sírio-libaneses, a família Mutran, oriunda do município de Grajaú, Maranhão, num distante 1920. Já em 1930 arrenda e adquire várias terras. Coube à empresa A Borges & Cia aviar a família.
Hoje a atividade da pecuária predomina na região. A iniciativa ganhou proporção a partir de uma política indutora da economia do Estado na Amazônia, em particular no sudeste do Pará. O sudeste paraense detém o maior rebanho de gado do estado. Os anos eram de chumbo, e além da pecuária o estado incentivou a atividade madeireira e minerária. A ideia era fazer com que a região prosperasse a partir desses três polos: madeira, gado e minério.
Assim vastas extensões de terras foram transferidas ou apropriadas por empresas nacionais do Centro-Sul e internacionais. Entre elas podem ser encontrados bancos como Bradesco, Real e o extinto Bamerindus, sem falar na Volkswagen. Por falar em banco, outro que antecipou Dantas foi Calmon de Sá, do falido Banco Econômico.
A renúncia fiscal foi a política adotada para a atração de empresas. A prática tinha nos agentes de planejamento e do financeiro estatais a ponta de lança, leia-se Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e Banco da Amazônia (BASA).
Região explosiva
É complexo o xadrez de agentes e suas respectivas redes que atuam no sudeste do Pará. Cá aflora a grande mineradora Vale, privatizada desde 1997, numa operação considerada um crime de lesa pátria. Por ser a detentora de tecnologia de ponta é ela quem estrutura e desestrutura o território do lugar, como ocorre em várias partes do Pará, a exemplo da tensão registrada no município de Ourilândia do Norte e vizinhança, onde inúmeras famílias de projetos de assentamento da reforma agrária têm sido expulsas por conta de sua Mineradora Onça Puma (MOP), que explora níquel, conforme denúncias de entidades locais.
Agem ainda pelo controle do território grupos indígenas, em certa medida já aculturados pelos hábitos do mundo não índio. Na década de 1980, quando a disputa pela terra torna-se mais aguda, a refrega ganha ares de esquadrão da morte a partir da ação da UDR, ligada a fazendeiros do Bico do Papagaio, norte do Tocantins, sudeste do Pará e oeste do Maranhão. A instituição era animada por Ronaldo Caiado, político radicado em Goiás.
Com tal contexto, ninguém ousou indicar que o campesinato da fronteira iria se territorializar. Hoje a categoria controla mais de 50% do território no sudeste paraense através de projetos de assentamento, em 36 municípios sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). O reconhecimento de áreas ocupadas, algumas delas há mais de duas décadas teve no trágico episódio do Massacre de Eldorado o estopim.
Não resta dúvida quanto ao peso dos fazendeiros na região, mas a conversão de fazendas ocupadas em projetos de assentamento demonstra o avanço do poder de mobilização dos movimentos sociais camponeses, expressos através da Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura do Pará e Amapá (FETAGRI), regional sudeste, com atuação que soma mais de uma década. Mesmo período contabiliza o MST.
Além desses agentes registra-se a presença de garimpeiros. Fora os projetos de assentamento há outras expressões do poder do campesinato local, traduzidas através da efetivação da Escola Família Agrícola (EFA), cursos de nível superior, como Agronomia, Pedagogia e Letras, assento de representações da categoria nas câmaras e executivos municipais e iniciativas de rádios comunitárias e outras ferramentas de comunicação. Por conta dos projetos de assentamento germinam na região empresas de prestação de assistência técnica rural.
O sudeste do Pará é uma região que merece atenção especial por parte do Poder Público. Ela coleciona graves passivos oriundos da experiência dos grandes projetos. A região é recordista em trabalho escravo, assassinatos contra dirigentes e militantes da reforma agrária, concentra boa parte dos municípios mais violentos do país, sem citar a devastação florestal.
Mas, o cenário atual não soa animador. Um exame no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) sinaliza para maior pressão sobre a terra e os recursos naturais nela existentes. Há uma série de obras de infraestrutura: rodovias, hidrovias, hidrelétricas na bacia do Araguaia-Tocantins que irão reorientar, como nos anos da ditadura, e do Programa Grande Carajás (PGC), na dedada de 1980, o cenário econômico, social e político da região.
Uma perspectiva similar desponta a oeste do estado, com a expansão da frente mineral no município de Juruti, a partir da bauxita. O minério explorado pela empresa estadunidense Alcoa é matéria para a produção de alumínio. A Alcoa é uma das maiores empresas do setor. Ainda a oeste tem-se a agenda da construção de inúmeras barragens no rio Tapajós e no Xingu e desde 1980 a bauxita é extraída pela Vale no município de Oriximiná.
Família Mutran – A senhora dos Castanhais
Na paisagem das oligarquias dos castanhais, a dos Mutran se tornou a de maior destaque. Notabilizou-se na história do sudeste paraense pelo abuso da violência. A condição de escravidão, ou modo similar de submissão, continua a ocorrer nas terras do Araguaia-Tocantins. O modelo é apenas uma face das variadas modalidades de violência que povoam a atmosfera local. Uma bela expressão da modernidade.
São muitas as acusações de crimes que pesam nas costas do clã dos Mutran. Assassinatos, corrupção na administração da prefeitura de Marabá, manutenção de cemitérios clandestinos em “suas” fazendas, submissão de trabalhadores rurais à condição de trabalho escravo e devastação dos castanhais para a implantação da pecuária.
Em listas sujas divulgadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), constam três propriedades da família. As “listas sujas” do trabalho escravo foram divulgadas nos anos de 2003 e 2004. As propriedades são: Fazenda Cabaceiras, ocupada pelo MST desde 26 de março de 1999, a Fazenda Peruano, também ocupada pelo MST em abril de 2004, e a Mutamba, onde o MST ocupou, mas não conseguiu se manter. Sob força de liminar os nomes das fazendas foram retirados das listas. Desta forma o fazendeiro pode pleitear financiamento público.
Na página www.reporterbrasil.com.br a reportagem de Leonardo Sakamoto, divulgada no dia 30 de julho de 2004, denuncia que a empresa Jorge Mutran Exportação e Importação Ltda. foi obrigada a pagar a multa de R$ 1.350.440,00, por ter sido autuada mais de uma vez por trabalho escravo em sua fazenda Cabaceiras, em Marabá, sudeste do Pará. Na época foi a maior indenização no Brasil por um caso de redução de pessoas à condição análoga à de escravo.
A reportagem de Sakamoto conta ainda que a sentença foi expedida por Jorge Vieira, da 2ª Vara da Justiça do Trabalho de Marabá, e resulta de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho. Os réus aceitaram as determinações do MPT e o juiz homologou a sentença. A ela não coube recurso. Os responsáveis pela empresa citados no processo da Cabaceiras são os irmãos Evandro (dono também da fazenda Peruano), Délio e Celso Mutran e Helena Mutran.
A fazenda Cabaceiras mantinha cemitério clandestino. A denúncia veio à tona em setembro de 1999, através de reportagem assinada por Ismael Machado, publicada na revista Caros Amigos, de São Paulo, na edição de número 30. A denúncia da presença de cemitério clandestino na fazendeira Cabaceiras foi realizada por uma testemunha de 64 anos, que foi mantida no anonimato. O depoimento ocorreu no dia 21 de julho na Procuradoria da República do Pará. A fazenda foi desapropriada pelo INCRA recentemente.
A Quincas Bonfim e Sebastião Pereira Dias (Sebastião da Teresona), lendários pistoleiros da região, cabia a contratação de peões para a derrubada da mata nativa e implantação de pasto. Além da contratação de peões constava na rotina dos pistoleiros a eliminação de desafetos e peões insubordinados. Conta a matéria de Machado que pelo menos 40 homicídios ocorreram entre 1982 e 1989. Antes de pertencer ao clã Mutran, a fazenda Cabaceiras foi administrada pela empresa Nelito Indústria e Comércio S. A.
Foi com Benedito Mutran Filho que o senhor Dantas negociou a compra de inúmeras fazendas, entre elas a Maria Bonita, ocupada por cerca de 600 famílias ligadas ao MST no dia 25 de julho de 2008, quando se celebra o Dia do Trabalhador Rural. A ação do movimento foi um ato contra a corrupção no país, no sentido de se obter mais agilidade na política de reforma agrária, assim explica nota divulgada pelo movimento.
Boa parte das terras sob o domínio da família é uma cessão de uso do Estado para fins do extrativismo da castanha, e não pode ser repassadas para terceiros. As fazendas São Roque e Cedro também seguiram a mesma linha das citadas acima na negociação com Dantas.
(*) Rogério Almeida é professor da Unama, onde coordena o projeto de extensão Agência Unama pelo Direito da Criança e do Adolescente. Escreve sobre a região desde 1997. O texto integra a obra Pororoca pequena: marolinhas sobre a (s) Amazônia (s) de cá, a ser lançada no mês de julho, com o apoio do Banco da Amazônia.
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